‘García’: série espanhola traz herói imerso em dilema sobre totalitarismo
Na trama, supersoldado franquista faz um exame de consciência pelos atos que cometeu a mando do regime
A espanhola Antonia (Veki Vellila) é uma estagiária de jornalismo à beira da demissão. Para salvar o emprego, ela busca uma reportagem capaz de provar seu talento — e fareja um caminho promissor nas pistas de um envelope misterioso. A investigação se revela mais complexa do que previa: ao fugir de policiais que tentam matá-la, ela liberta um supersoldado franquista congelado desde os tempos do ditador que mandou na Espanha entre 1936 e 1975. Mantido em uma câmara criogênica por sessenta anos, o agente que dá nome a García!, série já disponível na HBO Max, desperta às vésperas de uma eleição marcada pela ascensão do neofascismo. Na Espanha moderna e polarizada, o anti-herói (Francisco Ortiz) confrontará um dilema: deve se manter fiel às ordens que recebeu no passado ou agir de acordo com sua consciência?
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Inspirada nos quadrinhos homônimos de Santiago García e Luis Bustos, a mais recente aposta da HBO na emergente dramaturgia espanhola bebe de inspirações tão diversas quanto o Capitão América e o clássico O Poderoso Chefão. Seu maior trunfo é a atualidade do enredo: nos últimos anos, a Espanha do movimento Vox, assim como boa parte da Europa (e o Brasil), viu a extrema direita ganhar terreno e uma parcela da população olhar com saudosismo para regimes ditatoriais como o de Franco. “Os autores queriam fazer uma sátira da situação política da Espanha. Mas, desde que o livro saiu, em 2015, chegamos a um ponto no qual o que era para ser satírico se parece com a realidade”, diz o diretor Eugenio Mira.
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Mais que alfinetar a nostalgia de tempos totalitários, García! usa a figura do soldado com superpoderes para analisar a responsabilidade daqueles que colaboram com regimes autoritários. Forjado pela polícia secreta de Franco como arma imbatível, ele justifica suas ações condenáveis dizendo que fez o que fez seguindo ordens para proteger o país. No mundo real, essa desculpa ficou conhecida como “defesa de Nuremberg”, depois que nazistas tentaram se livrar da punição no célebre julgamento dos carrascos do Holocausto alegando que seus horrores eram fruto de ordens superiores.
García chega a reproduzir a lógica de sua vida pregressa ao seguir ordens sem questionamentos, mas logo descobre que essa conduta não o isentará da culpa. No fim do dia, colocar-se do lado certo da história conferirá a ele alguma humanidade — mas não o libertará dos fantasmas do passado.
Publicado em VEJA de 2 de novembro de 2022, edição nº 2813
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