Disputa pelo trono de ‘Succession’ chega ao fim – e não decepciona
Drama da HBO encerra sua trajetória na quarta temporada e se impõe como uma das melhores séries da história da TV
O texto a seguir tem spoilers do décimo e último episódio da quarta temporada da série
Em uma imponente SUV, Tom (Matthew Macfadyen) entra no banco traseiro e encontra sua esposa, Shiv (Sarah Snook). Frio, o casal se cumprimenta e Tom, em seguida, coloca a mão sobre o apoio de braço entre eles com a palma virada para cima. Shiv leva a própria mão em encontro à do marido, mas a apoia de forma peculiar. O ato não se trata de um sinal de carinho ou companheirismo: a cena silenciosa representa, enfim, a coroação de um rei e sua rainha – e de um casamento baseado em poder e conveniências, como costuma ser entre a realeza.
Os paralelos entre a realeza e a família Roy são parte intrínseca da série Succession. Inspirada em peças shakespearianas, como Rei Lear e Henrique III, o drama transitou ao longo de quatro temporadas em torno do mistério: quem será o herdeiro a virar CEO do império da Waystar Royco, conglomerado midiático criado por Logan Roy (Brian Cox). Com a morte do patriarca, seus três filhos mais novos, Kendall (Jeremy Strong), Roman (Kieran Culkin) e Shiv, foram do céu ao inferno entre traições, brigas e conciliações, em busca do controle da empresa. Ao fim, o trio deixou as desavenças falarem mais alto e Shiv, na hora de votar se era contra ou a favor da venda da Waystar, votou a favor, contrariando os irmãos. A atitude surpreendeu, mas se manteve em consonância com a série: impedida de ser CEO por várias questões, entre elas o fato de ser mulher e estar grávida, Shiv votou em favor do marido — com quem tem uma relação que vai da repulsa ao desprezo, com raros momentos de afeto, e de quem estava prestes a se divorciar. Assim, entregou a Tom a coroa de CEO — que fora prometida a ele um dia antes por Mattson (Alexander Skarsgard), o comprador do grupo bilionário. O final foi crível e também agridoce: apesar de conhecer bem a índole tenebrosa dos irmãos Roy, parte do público da série ainda torcia para que um deles ficasse no poder — desejo um tanto ilusório.
Desprovidos de senso de realidade, emocionalmente capengas e raramente empáticos, os Roy cresceram no auge do chamado 1% dos mais ricos do planeta. Foram, por um lado, mimados e privilegiados, por outro, constantemente agredidos pelo pai. No episódio derradeiro, o trio protagonizou duas grandes cenas: na primeira, eles se divertiram na casa de veraneio da mãe, com direito a banho de mar noturno e uma gororoba feita na cozinha; mais próximo do fim, entraram em uma briga colossal, que desembocou em conflito físico. Roman, o mais iludido dos três, tem uma epifania: “Somos um grande nada”. Diante do irmão Kendall, que chora com medo de perder o império ao qual dedicou toda a sua vida, Roman destrincha o que todos já sabiam, que a Waystar nada mais é que um aglomerado de produções ruins e noticiários sensacionalistas. Diante do colapso dos irmãos, que historicamente nunca lhe deram nada, Shiv toma sua decisão: ao invés de manter na família um império sobre o qual ela não terá nenhum poder, a opção de ser esposa do CEO se revela o “cargo” mais próximo do topo que ela consegue chegar.
Succession então se despede no auge. Seu pacote de triunfos vai do elenco brilhante até detalhes dos bastidores, como a trilha sonora impecável e o jogo de câmeras propositalmente invasivo, mas reside de fato em seu roteiro ágil e sagaz — capaz de causar nos espectadores empatia diante de seres tão detestáveis. Este combo se superou na quarta temporada e Succession passou por cima de uma velha maldição da TV: aquela na qual séries muito populares raramente conseguem ficar à altura de sua jornada até ali, a exemplo da pop Game of Thrones. De quebra, se impôs como uma das melhores séries da história da televisão — em um hall onde estão títulos como Os Sopranos, The Wire e Breaking Bad. Nada mal para essa pobre gente rica que vai deixar saudade.