De Pulso a The Pitt: as séries médicas renovam sua força no streaming
Populares na TV nas décadas passadas, dramas ganham novo fôlego com tramas cheias de realismo

Quando o lampejo inicial de Pulso surgiu, a ideia era fazer uma trama que partisse de um relacionamento marcado pelo desequilíbrio de poder no ambiente de trabalho. Não demorou até que a criadora, Zoe Robyn, percebesse que o cenário ideal para isso seria um hospital. “Às vezes, o trabalho é o único lugar que se tem para conhecer pessoas, especialmente quando se é um médico que passa muitas horas nele”, explicou a VEJA a própria Zoe. A série que acaba de estrear na Netflix acompanha o relacionamento conturbado e a rotina profissional de Danny (Willa Fitzgerald) e Phillips (Colin Woodell), residentes num hospital de Miami. Ambientada em meio a emergências, com direito a um furacão que deixa todos mais apreensivos que de praxe, a série fortalece um filão que foi sucesso durante anos na televisão, e agora ganha novo fôlego no streaming: os dramas médicos à la Grey’s Anatomy e E.R., que se equilibram entre a tarefa de explorar a vida pessoal nada pacata dos doutores e a dura realidade do trabalho diário de tentar salvar vidas. Além da aposta da Netflix, outras produções do gênero chegaram ao streaming recentemente: é o caso da voraz The Pitt, da Max, da alemã Emergência — Berlim, da Apple TV+, e da brasileira Sutura, do Prime Video.

Popularizados nos anos 1960 com tramas como a americana Dr. Kildare e a inglesa Emergency Ward 10, os dramas médicos atingiram o ápice de sua popularidade entre as décadas de 2000 e 2010, com a exibição das longevas E.R., Grey’s Anatomy, House e The Good Doctor por diversas temporadas. Em baixa desde então — dessas, só a protagonizada por Meredith Grey (Ellen Pompeo) permanece no ar —, o hospital foi jogado de vez para escanteio com a chegada do streaming, e só agora ganha uma chance nas plataformas. “Temáticas são cíclicas, e é difícil saber por que, de repente, há essa nova fome por séries médicas”, conta o roteirista e diretor Carlton Cuse. “Suspeito que tenha a ver com querermos acreditar que vivemos em um mundo onde as pessoas vão ajudar umas às outras em momentos críticos”, especula ele, atestando que tramas do gênero são sedutoras para criadores por reproduzirem um ambiente de panela de pressão, com personagens à beira do colapso diante da responsabilidade de ter a vida (ou a morte) de terceiros nas mãos.
Partindo desse princípio, a essência dos dramas médicos segue a mesma: acompanhar a vida e a rotina brutal de equipes que correm contra o tempo (e às vezes também contra o próprio sistema de saúde) para salvar pacientes com as mais variadas condições. Tramas do gênero também são um prato cheio para discutir questões sociais, como a crise dos convênios, os direitos reprodutivos e o atendimento (ou a falta dele) a imigrantes. Com o streaming, no entanto, a receita ganha mais liberdade, permitindo narrativas até experimentais: em The Pitt, que virou favorita dos médicos americanos por retratar a realidade de forma dilacerante, cada episódio se passa dentro do período de uma hora de um plantão de emergência, deixando a correria contra o tempo ainda mais frenética que a vista habitualmente na televisão. Em Pulso, a prática da medicina é permeada pelo mistério do que aconteceu entre os dois protagonistas para que o relacionamento se convertesse num problema para o RH, pondo a carreira de ambos na berlinda. Em Sutura ou na alemã Emergência — Berlim, há ainda outro apelo: falar da prática da medicina em realidades sociais peculiares. Na produção nacional, Cláudia Abreu é uma cirurgiã que presta serviços ao crime organizado na periferia paulistana. Na instigante série alemã, o tema é o dia a dia caótico de um hospital público berlinense, onde se atendem baladeiros com overdose e afins.

No fim das contas, o fio condutor de todas as tramas ainda é o mesmo: a adrenalina dos atendimentos. Para que isso funcione na tela, claro, é preciso assessoria de profissionais da saúde nos bastidores. Na série da Netflix, um médico é responsável por apresentar os casos aos roteiristas e coordenar os atores para que tudo seja fiel à realidade. Ex-chefe de residência de um hospital renomado em Los Angeles, o doutor Josh Troke abandonou a área de saúde para se dedicar às séries médicas. Eis um trabalho cheio de sangue, suor e bisturis — mesmo que seja de mentirinha.
Publicado em VEJA de 4 de abril de 2025, edição nº 2938