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Críticas e análises sobre o universo da televisão e das plataformas de streaming
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As produções com estrelas acima dos 60 que são um antídoto anti-etarismo

Títulos como 'Only Murders in the Building' mostram o apelo das aventuras e dos percalços vividos na flor da idade

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h19 - Publicado em 31 jul 2022, 08h00

Charles sorri quando desconhecidos lançam a pergunta: “Você não é aquele cara?”. Ciente de que poucos se lembram da série que estrelou, o septuagenário corta a abordagem, dizendo: “Sim, eu era o Brazzos” — referência ao papel de policial com que foi sucesso no passado. O reconhecimento capenga é o que lhe resta da fama de outrora, e ele se contenta com isso. Personagem da série Only Murders in the Building, cuja segunda temporada chegou recentemente à plataforma Star+, Charles propaga, assim, uma autoironia de seu criador e intérprete, o grande Steve Martin.

Born Standing Up: A Comic’s Life

Um dos maiores comediantes do cinema, Martin, hoje aos 76 anos, passou duas décadas sem trabalhos marcantes — os únicos aplausos que recebeu no período vieram de homenagens como o Oscar honorário pela carreira, em 2014. A iminente aposentadoria foi adiada quando um amigo lhe sugeriu escrever um roteiro sobre três ex-estrelas da Broadway que querem desvendar crimes, mas, por causa da idade avançada, se resignam a investigar só os acontecimentos do edifício onde moram — daí o título da série, Apenas Assassinatos no Prédio, em português. A ideia evoluiu quando seu amigo de longa data, o também ótimo comediante Martin Short, 72 anos, sugeriu o óbvio: “Vamos atuar nessa série; afinal, já somos velhos”.

PARCERIA - Jean Smart e Hannah Einbinder em Hacks: choque de gerações -
PARCERIA - Jean Smart e Hannah Einbinder em Hacks: choque de gerações – (Karen Ballard/HBO Max/.)

A dupla impagável puxou um cordão de novas produções que são uma espécie de vacina antietarismo — nome que hoje se aplica ao preconceito das gerações mais jovens em relação às pessoas de cabelos brancos. Relegados a papéis pequenos ou vexatórios, os atores com mais de 60 anos experimentam atualmente uma maré favorável. Saem os avós opacos e entram protagonistas com inseguranças, medos, paixões e desejos. Ao exorcizar o etarismo, essas produções refletem uma nova fase da sociedade: a expectativa de vida crescente no mundo chegou à média de 79 anos nos Estados Unidos e 76 no Brasil.

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Etarismo: um novo nome para um velho preconceito

John Hoffman, showrunner de Only Murders, se revelou uma peça importante nessa tendência. Em 2015, ele produziu Grace e Frankie, série da Net­flix com Jane Fonda, 84 anos, e Lily Tomlin, 82, na pele de duas mulheres que se veem divorciadas na velhice. No processo de recuperação, elas criam uma empresa de brinquedos sexuais para a terceira idade. O prazer na maturidade é tema central também em Boa Sorte, Leo Grande, em cartaz nos cinemas. O filme britânico, no qual uma professora religiosa aposentada contrata um profissional do sexo (Daryl McCormack) para realizar seus desejos, ganhou as manchetes por exibir um nu frontal da inglesa Emma Thompson, de 63 anos. “Não estamos acostumados a ver corpos reais nas telas”, disse a atriz. Na busca pela libertação dos pudores do passado, a protagonista revê aprendizados caducos de uma educação repressora e se desvencilha de ideias machistas inculcadas na mente das mulheres.

LIBERDADE - Boa Sorte, Leo Grande: Emma Thompson em ousado nu frontal -
LIBERDADE - Boa Sorte, Leo Grande: Emma Thompson em ousado nu frontal – (Searchlight Pictures/.)

Na série cômica Hacks, da HBO Max, estrelada pela afiada Jean Smart, 70, o sexo é rotina, mas as relações afetivas precisam ser tratadas. Numa alusão à trajetória de Joan Rivers (1933-2014), comediante desbocada que furou a bolha de um gênero apinhado de homens, Hacks segue a obstinada Deborah Vance, uma comediante de stand-up em decadência. Ela contrata Ava (Hannah Einbinder), uma roteirista mais jovem, para renovar seu repertório. Arrogantes, ambas vão aprender e ensinar algo entre si ao longo de duas enxutas temporadas.

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O contraste geracional é um recurso malandro: ele serve tanto para acelerar o crescimento dos personagens quanto para atrair públicos de várias idades. Em Only Murders, a atriz Selena Gomez entrou para o elenco como artigo de luxo, cumpriu com louvor as missões listadas acima e ainda exerceu uma outra: a jovem de 30 anos bagunçou a velha dinâmica de Steve Martin e Martin Short, que somam de amizade o que ela tem de vida. Tirar os veteranos da zona de conforto deu tão certo que ambos foram indicados ao Emmy — já Selena, esnobada, não.

Na trama, o personagem de Martin cria um podcast para desvendar uma morte suspeita ao lado de um ex-diretor da Broadway (Short) e de uma jovem misteriosa (Selena) que ninguém sabe como pode viver num prédio tradicional (leia-se caro) em Nova York. No fundo, o trio inusitado se une não pelo gosto mútuo por podcasts, mas pela solidão que os assola. Encontrar amizade, amor e propósito é o que nos mantém, afinal, na flor da idade.

Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800

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