As lições do cineasta que levou a Coreia ao Oscar em novo doc da Neftlix
Após a façanha de Parasita, o cineasta Bong Joon Ho reconta o início de sua carreira
Em uma videoconferência com antigos amigos da faculdade, o sul-coreano Bong Joon Ho mostra vários rolos de filmes 8 milímetros que captara durante a vida universitária, na década de 1990. Seus colegas perguntam sobre o “gorila”, mas o cineasta vencedor do Oscar de 2020 pelo fenomenal Parasita se envergonha. “Melhor dizer que sumiu. É constrangedor”, explica o diretor de 54 anos, olhando para a janela. A obra do gorila em questão é À Procura do Paraíso, o primeiro curta-metragem produzido — de forma para lá de amadora — por Joon Ho no início daquela que se tornaria uma carreira célebre. Feito em stop-motion e com bonecos de pelúcia, o filme conta a história de um primata tentando fugir de monstros de um porão. Inédito até agora, o curta é mostrado pela primeira vez no documentário Porta Amarela: o Cineclube dos Anos 90, recém-disponibilizado na Netflix. Na produção, Bong Joon Ho reencontra membros do Yellow Door, clube que reunia cinéfilos da Universidade Yonsei, em Seul, onde ele cursava sociologia — e daí em diante se expõe numa jornada que esclarece como as produções da Coreia começaram a ganhar o mundo.
Bong Joon Ho: Dissident Cinema
Com montagem afiada e falas reveladoras, o documentário mostra detalhes de como surgiu a primeira centelha criativa do homem que trilhou aos poucos sua chegada ao momento histórico de se tornar o primeiro sul-coreano a vencer grandes categorias do prêmio de Hollywood com Parasita, um retrato mordaz da guerra entre classes sociais — além de melhor filme, a obra fora agraciada com direção, roteiro original e produção internacional. A façanha, curiosamente, começou no cineclube onde jovens de 20 e poucos anos assistiam a clássicos, discutiam suas histórias e assim criaram um repertório. O grupo exemplifica a curiosidade e paixão que levaram o mundo a aclamar as produções coreanas. “Nunca fui mais apaixonado por cinema do que naquela época”, admite Joon Ho. Filho de uma dona de casa e de um designer e professor universitário, Bong tinha uma família que só via TV. Sua fascinação por filmes começou na escola, quando teve contato com longas europeus como Ladrões de Bicicleta (1948) e O Salário do Medo (1953), que instigaram nele o sonho de ser cineasta.
Cheio de referências de grandes mestres de Hollywood como Scorsese e Tarantino, Bong Joon Ho atesta como a autenticidade pode levar alguém ao topo. Ao conduzir Expresso do Amanhã (2013), o coreano não se curvou às ordens mirabolantes de Harvey Weinstein, produtor do filme, que queria mais ação com Chris Evans na tela e menos cenas “poéticas” e diálogos. Com bastante luta e negociação, o asiático manteve o enredo da forma como queria.
Parasite: A Graphic Novel in Storyboards
Na própria premiação da Academia de Hollywood, Joon Ho também não abriu mão de falar sua língua nativa e levou uma tradutora para dizer na frente do planeta inteiro que os americanos deveriam repensar sua “preguiça” com os filmes estrangeiros. “Quando vocês ultrapassarem a barreira das legendas, descobrirão tantas histórias incríveis”, discursou. Aumentando as apostas em seu taco certeiro, Bong Joon Ho lançará em 2024 Mickey 17, um filme de ficção científica com Robert Pattinson e Steven Yeun. A expectativa é alta — e mais uma vez aquele rapaz nerd do cineclube terá a chance de abalar as telas.
Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2023, edição nº 2865