Apple TV+ finalmente fez uma boa série: conheça ‘Little America’
Sensível e bem-humorado, programa narra histórias reais de imigrantes nos Estados Unidos
Desde novembro entre nós, o canal de streaming Apple TV+ tentou emplacar séries variadas e superproduzidas, com protagonistas estelares, mas apelo fraco: da fantasia sem pé nem cabeça See, com Jason Momoa; ao dramalhão insosso de The Morning Show, com Jennifer Aniston; ao seriado policial sem brilho Truth Be Told, com Octavia Spencer. Apesar de The Morning Show ter conquistado algumas indicações a prêmios como o Globo de Ouro (vai entender), a Apple TV+ estava longe de ganhar um elogio sincero. Mas ele finalmente chegou.
Little America, nova produção da plataforma, é uma belíssima série, de roteiro elegante e um raro bom humor aplicado a um tema complexo e delicado: a vida de imigrantes modernos nos Estados Unidos. São oito histórias reais, interpretadas por atores pouco (ou nada) conhecidos, eles mesmos originais dos países retratados — ou das redondezas.
Cada episódio é independente entre si (abaixo, detalhes dos quatro melhores). Assinam a série o paquistanês Kumail Nanjiani, que também é ator, conhecido pela série Silicon Valley, da HBO, e sua esposa, Emily V. Gordon. A dupla tem no currículo outro bom título que vale ser visto: o filme Doentes de Amor (2017), inspirado no romance deles, indicado ao Oscar de melhor roteiro original.
A experiência pessoal de Nanjiani como imigrante é vista em Little America na valorização dos detalhes. Cada episódio começa com uma famosa canção americana — como Bang Bang (My Baby Shot Me Down), conhecida na voz de Nancy Sinatra, e Doo Wop (That Thing), de Lauryn Hill —, todas, porém, entoadas na língua e em um ritmo musical do país que será retratado. No início do episódio, o aviso: “inspirado em uma história real” vem acompanhado da mesma frase na língua nativa de seus personagens.
O resultado é entretenimento dos mais envolventes. Confira abaixo a trama de quatro episódios que se sobressaem aos demais.
O Gerente
Uma família de indianos protagoniza o primeiro episódio. Eles são donos de um hotel barato de estrada nos Estados Unidos. Kabir (Ishan Gandhi), de 12 anos, faz um acordo com o pai: se decorar todo o dicionário de inglês, vai ganhar um carro aos 18. Quando os pais são deportados, o garoto entra numa longuíssima espera por eles, gerenciando sozinho o hotel. Kabir vê na habilidade de decorar palavras uma chance de pedir ajuda diretamente a alguém poderoso: um concurso de soletração nacional leva os adolescentes finalistas à Casa Branca, para um encontro com a primeira-dama da época, Laura Bush, esposa de George W. Bush.
O Caubói
O terceiro episódio acompanha a história de Iwegbuna Ikeji (interpretado pelo ator e músico Conphidance), um jovem nigeriano expansivo que vai estudar na Universidade de Oklahoma, no sul dos Estados Unidos. Para se adaptar e se livrar da apatia dos colegas, ele adquire um chapéu de caubói e botas de couro: os astros de faroestes do cinema são para ele a melhor representação do americano ideal. É impagável a cena em que Ikeji aparece todo montado na sala de aula. Ainda mais adoráveis são os momentos em que ele recebe a correspondência da família, com uma fita cassete – estamos aqui nos anos 1980. Enquanto escuta em seu pequeno dormitório a voz dos parentes, os familiares transitam pela casa, imaginados ali pelo imigrante.
Os Vencedores do Grande Prêmio
Uma mãe divorciada (Angela Lin) de Singapura se dedica até demais aos dois filhos adolescentes, que quanto mais crescem nos Estados Unidos, mais se distanciam das tradições e da própria mãe. O sonho é poder levá-los a uma inesquecível viagem de férias. Ela ganha passagens para um inusitado cruzeiro até o Alasca. No navio, a mulher exagera na busca pela atenção dos filhos – enquanto flashbacks de seu passado, também em um navio, mas em condições muito piores, montam o quebra-cabeça que explicam sua atitude superprotetora. Destaque para uma belíssima cena em que Angela canta no karaokê do cruzeiro a canção You Don’t Have To Say You Love Me, de Dusty Springfield: é de arrepiar.
O Filho
O sírio Rafiq (Haaz Sleiman, ator que na vida real é do vizinho Líbano) se vê numa terrível situação quando sua família descobre que ele é gay. O rapaz precisa fugir e acaba se instaurando em Damasco, alguns anos antes da guerra que assolaria o país. Na capital ele conhece Zain (Adam Ali), um novo amigo com pouquíssima aptidão para esconder sua orientação sexual: o rapaz é um dosado alívio cômico em meio ao caos. Os dois buscam asilo nos Estados Unidos e a longa espera pauta o episódio, um dos mais emotivos dos oito da série.