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A magia técnica das filmagens debaixo d’água, como em ‘Professor Polvo’

Tanto documentário da Netflix quanto 'O Segredo das Baleias', do Disney+, combinam talento fotográfico com a sorte de criar vínculos com animais marinhos

Por Tamara Nassif Atualizado em 12 Maio 2021, 12h26 - Publicado em 12 Maio 2021, 12h09

Um polvo desliza, tranquilo, no alto de um belo oceano azul-esverdeado. Na narração, a voz do cineasta Craig Foster conta: “Muita gente diz que um polvo é como um alienígena. Mas o estranho é que, à medida em que você se aproxima deles, percebe que somos parecidos em muitos aspectos.” A premissa de Professor Polvo é, no mínimo, curiosa: Foster cria laços de amizade com o molusco enquanto explora uma floresta marinha na África do Sul, e aprende com ele uma série de lições de vida. Vencedor do Oscar de melhor documentário, o longa-metragem da Netflix é peculiar também no que diz respeito à forma como foi gravado. Para quem vê de fora, nem parece grande coisa que Foster nadava sem trajes de mergulho, ou aparatos sofisticados de respiração submarina – muito menos que o fazia em temperatura de 7ºC, próximo à Cidade do Cabo.

“Existem certos lugares que você não pode acessar quando está carregando um monte de coisas pesadas”, explica a diretora e roteirista Pippa Ehrlich, ao Screen Daily. “As bolhas são ruins para os animais debaixo d’água, alguns chegam a ter medo delas. E a água fria tem benefícios incríveis: é boa para a saúde, muda o coquetel de substâncias químicas no cérebro e te torna mais alerta e presente na água. Isso traz um foco ótimo para a filmagem.” Na maré congelante, Foster conseguiu se sentir como os animais ao seu redor, sem barreiras que o impedissem de se embrenhar pelas algas e testemunhar caçadas da vida marinha. E mais: o fez por vontade própria, uma vez que já estava acostumado com a temperatura (é o que a ciência chama de “termogênese”) e era perito em rastreamento submarino.

A belíssima filmografia de Professor Polvo é resultado de um trabalho que data desde 2015. Boa parte do material é de autoria do próprio cineasta, que descobriu nos mergulhos “amadores” (isto é, aqueles de poucos equipamentos) uma válvula de escape para a depressão. Munido apenas de uma pequena câmera à prova d’água, Foster seguia o polvo pelos mais diversos ambientes, e chegou até a receber um “carinho” do molusco no rosto (veja foto abaixo). “Você consegue perceber pelos takes: às vezes um pouco trêmulos, sempre muito dinâmicos, e dá para sentir que Craig está se movendo pela água”, disse Ehrlich. As cenas em que ele aparece, no entanto, são de crédito do cinegrafista especialista em vida selvagem Roger Horrocks, que o acompanhou em parte dos mergulhos, e da dupla de diretores Erlich e James Reed. Com mais de 3.000 horas de gravações de Foster, a equipe teve que gravar cenas após a morte do molusco para amarrar a história – e, aí sim, fez uso de um arsenal de câmeras, lentes, drones e outros recursos audiovisuais mais onerosos.  

Em cena de 'Professor Polvo', molusco toca o rosto do cinegrafista Crag Foster
Em cena de ‘Professor Polvo’, molusco toca o rosto do cinegrafista Crag Foster (Divulgação/Netflix)

A “amizade” com animais marinhos não é exclusividade da equipe de Professor Polvo, mas até um requisito para cinegrafistas de vida aquática. “Eu mergulho há mais de 40 anos, e ainda sigo maravilhado com o quão curiosos esses animais são. Eles têm que permitir que você se aproxime deles”, conta Brian Skerry, diretor da série documental O Segredo das Baleias, em entrevista coletiva da qual VEJA participou. Ao lado do produtor James Cameron, oscarizado por Avatar, Skerry assina a produção de quatro episódios feita pelo Disney+ em parceria com o National Geographic. Mais do que retratar o cotidiano dos animais, o objetivo é demonstrar como baleias são indivíduos complexos, de inteligência emocional aguda e até donas de personalidades próprias. O trabalho é belo e árduo na mesma proporção: foram três anos de filmagens, em 24 locais diferentes, para chegar no resultado desejado. “É preciso ressaltar que, como fotógrafo de vida marinha, nós não podemos nos dar ao luxo de nos camuflarmos em alguma localização remota ou usar lentes de 600 milímetros como as nossas contrapartes terrestres fazem”, disse Skerry. “Só podemos ficar debaixo d’água enquanto durar o suprimento de ar em nossas costas, e, nos três anos de filmagens, mergulhamos apenas com equipamento de snorkeling. Conseguia ficar por alguns minutos, no máximo, e tive que me aproximar muito dos animais para conseguir retratá-los, mesmo na água limpa.”

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Essa proximidade não só rende bons materiais, mas também boas histórias. Certa vez, uma orca neozelandesa educadíssima quase que lhe pediu licença para pegar uma arraia morta que estava ao seu lado: “Ela olhou para mim e olhou para a arraia, como se dissesse: ‘Você vai comer isso?’.”

“Se fizéssemos um diagrama de Venn de todos os aspectos que devem se alinhar, seria algo assim: o Sol precisa estar brilhando forte, os animais precisam deixar que você se aproxime deles, a visibilidade deve ser boa e os animais precisam estar fazendo algo interessante. Quando essas coisas se alinham, é como uma intervenção divina.” E nisso, tanto Professor Polvo quanto O Segredo das Baleias atestam: poder observar tão detalhadamente a vida marinha é uma dádiva, da qual nós, terrestres, somos extremamente gratos.

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