A invasão do streaming por produções juvenis como ‘De Volta aos 15’
De olho em fenômenos como o da Netflix, plataformas investem em uma nova mina de ouro
Embora esteja na casa dos 30 anos, Anita ainda passa longe de ser adulta. Após ser acusada de nunca crescer em uma briga no casamento da irmã, ela revive um antigo blog desativado — e bingo: descobre que a página virtual é uma máquina do tempo. De uma hora para outra, Anita retorna à adolescência e embarca numa cruzada para corrigir os erros do passado. Espécie de versão às avessas do filme De Repente 30, a série De Volta Aos 15 é a mais recente aposta nacional da Netflix na seara de adaptações juvenis e figurou no seu Top 10 em treze países, com mais de 18 milhões de horas vistas globalmente. Com Maisa Silva e Camila Queiroz se revezando na pele da protagonista, a produção transpõe para as telas o livro homônimo de Bruna Vieira, autora que se aproxima de meio milhão de cópias vendidas. Seu sucesso atesta uma tendência notável: no cabo de guerra dos serviços de streaming pela conquista dos jovens, as tramas com autores e elenco made in Brazil estão com a corda toda.
Confissões de uma garota excluída, mal-amada e (um pouco) dramática
Precursora do mercado de streaming no mundo, a Netflix fez uma opção esperta ao apostar no filão: foi buscar em uma elite de escritoras/roteiristas quase 100% feminina a fonte de inspiração para suas tramas. São autoras superpoderosas que já mostraram seu apelo não só nos best-sellers, mas no cinema — a principal delas é Thalita Rebouças, que acumula mais de 2,5 milhões de livros vendidos e chegou às telas em 2016 com É Fada, filme nacional que arrecadou 16 milhões de reais em bilheteria. Seguiram-se a ele Fala Sério, Mãe! (2017), Tudo por um Popstar (2018) e Ela Disse, Ele Disse (2019), todos campeões de público. A Netflix abraçou Thalita: de 2020 para cá, ela já lançou na plataforma os originais Pai em Dobro, que seguiu caminho inverso e acabou virando livro, e Lulli, estrelado por Larissa Manoela, além da adaptação de Confissões de uma Garota Excluída, Mal-Amada e (um Pouco) Dramática, traduzido para mais cinco idiomas após o lançamento do filme, em 2021. “Escrevo há 22 anos e somente agora tive a honra de ser publicada em países como França, Alemanha e Espanha, com o selinho Netflix”, conta Thalita.
Com muito tempo disponível e extremamente ativos (os pais que o digam) nas redes socais, os jovens são uma engrenagem preciosa para o streaming. E não apenas no Brasil: antes de apostar no segmento por aqui, a Netflix já colhera fenômenos americanos como A Barraca do Beijo e Para Todos os Garotos que Já Amei. Segundo levantamento recente da empresa YPulse, 56% dos entrevistados da geração Z relatam que tentam assistir aos mesmos conteúdos que os amigos nas plataformas, o que aumenta o boca a boca das produções. Justamente por isso, os chamados young adults (jovens adultos, em tradução literal), produções protagonizadas por adolescentes ou jovens “quase” adultos que retratam os desafios do amadurecimento, emergem como pilares de audiência. “A resposta do jovem e a paixão dos próprios fãs têm destacado cada vez mais esse tipo de conteúdo. Com certeza, eles estão entre nossos fãs mais vocais”, explicou a VEJA Elisabetta Zenatti, vice-presidente da Netflix Brasil. “Temos uma produção cultural muito rica e é a oportunidade de levá-la ao mundo”, complementa.
A tendência tem ganhado força também em outras plataformas. No mês passado, a HBO Max anunciou em primeira mão a VEJA On-line um projeto para se aproximar de autores nacionais. A plataforma já tem no forno três produções encomendadas: Procura-se um Marido e No Mundo da Luna, adaptações de Carina Rissi, que acumula 700 000 livros vendidos, e O Beijo Adolescente, inspirada nos quadrinhos de um solitário nome masculino nesse “clube da Luluzinha”, Rafael Coutinho — todas previstas para o segundo semestre. “Essas histórias conquistam uma audiência que se fanatiza muito, e isso é importante”, diz o executivo Marcelo Tamburri, da WarnerMedia Latin America, que aproveita para cutucar os rivais: “Somos competitivos”. Quem também não ficou para trás foi a Amazon Prime Video: a plataforma está produzindo a franquia Um Ano Inesquecível, baseada na coletânea de contos de Thalita Rebouças, Bruna Vieira, Paula Pimenta e Babi Dewet. No total, serão quatro filmes. O primeiro, o musical Outono, marca a estreia de Lázaro Ramos como produtor no streaming, e tem consultoria do americano Vince Marcello, diretor de Barraca do Beijo, franquia arrasa-quarteirão da Netflix.
Em comum, além de um público que vai dos adolescentes até a galera de 20 e poucos anos, as histórias comungam um clima leve e temas universais, como amores improváveis, dificuldade de socialização, receios sobre o futuro e medo do fracasso. “É um resgate de questões da adolescência que não trabalhamos ao longo da vida”, diz Bruna Vieira. “Tenho leitores que vão dos 16 aos 40. Não sei se alguém consegue se sentir adulto de verdade”, opina Carina Rissi. Se depender da enxurrada juvenil no streaming, ninguém realmente escapa.
Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781
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