A autora que faz a alegria da Globo em tempo de crise nas novelas
Prestes a estrear Dona de Mim, Rosane Svartman se consolida como nome de prestígio na emissora

Aos 4 anos, a pequena Rosane Svartman deixou a cidade de Memphis, nos Estados Unidos, onde nasceu, e veio ao Brasil de mala e cuia com a família — que estava naquele país a trabalho. “Meus pais são brasileiros e eu vim para cá muito criança, lembro pouco de lá. Me considero brasileira e carioca”, explicou a autora a VEJA. A brasilidade não ficou só no DNA: criadora da próxima novela das 7, Dona de Mim, que estreia na segunda-feira 28, na Globo, e do recente sucesso Vai na Fé, Rosane tem as telenovelas bem mais que como mera profissão: os folhetins são seu objeto de estudo e paixão. “Eu amo fazer novela porque adoro conversar com 20 milhões de pessoas todos os dias. É algo muito precioso”, diz (leia a entrevista). Essa empolgação transborda na tela: aos 56 anos, Rosane é um dos nomes mais quentes da atual geração de noveleiros da emissora.
O status de “salvadora da pátria” não é à toa: mesmo com a audiência das novelas em declínio já há alguns anos, suas tramas triunfam sem grandes dificuldades, com público estável e bons picos no ibope. Lançadas em 2015 e 2019, Totalmente Demais e Bom Sucesso, parcerias com Paulo Halm, alcançaram média de 27,3 e 28,8 pontos de audiência, enquanto Vai na Fé, em 2023, no complexo cenário pós-pandemia, realizou a façanha de recuperar a então combalida faixa das 7: chegou a ultrapassar em público absoluto a então novela das 9, Terra e Paixão, em algumas ocasiões.

Consolidada como craque das tramas ligeiras do horário, Svartman compara a faixa a um grande circo, onde o desafio é conquistar um fino equilíbrio temático para agradar ao público, de idades e experiências diversas. Por isso, as tramas da autora vão do drama ao humor e costumam ser protagonizadas por mulheres fortes, dando espaço a brasileiros comuns, que batalham para vencer na vida e superar traumas do passado. Em Dona de Mim, a jovem Leona (Clara Moneke) perdeu um bebê em gestação avançada e viu sua vida virar de cabeça para baixo. Já em Vai na Fé, Sol (Sheron Menezzes) tentava ganhar o pão como dançarina e backing vocal enquanto era hostilizada na igreja e perseguida pelo homem que a estuprou.
Para a autora, não há fórmula mágica: conquistar a audiência requer uma observação perspicaz da sociedade. “Minha estratégia é tentar entender qual o espírito do momento. Para isso, conto com meu instinto e sensibilidade, mas também com a escuta. É importante ouvir outras pessoas e estar atenta”, explica ela, que introduziu a protagonista evangélica de Vai na Fé num tempo em que a religião e o conservadorismo estão mais presentes no Brasil. “A novela dialoga com o público. Se um assunto é relevante para a sociedade, é relevante para a trama”, diz. Decorrente dessa capacidade de captar os humores da hora é o atributo que fez Rosane virar a menina dos olhos da Globo: suas histórias agradam não só ao espectador convencional, mas à geração das redes sociais.

Formada em cinema, casada e mãe de dois filhos, Rosane chegou à Globo em 2008, com a série Dicas de um Sedutor. Pouco depois, em 2012, assumiu a criação de Malhação e assinou duas temporadas de grande sucesso da novelinha. Em seguida, teve uma mãozinha de um gigante da teledramaturgia brasileira. “Fui autora transmídia de Passione, do Silvio de Abreu. Ele me tirou de Malhação e me ensinou a escrever novela”, diz ela, referindo-se à função de adaptar a trama para múltiplas plataformas. Rosane também leva para a vida um conselho que ouviu numa oficina de Gloria Perez: “Ela dizia: vá ao teatro, ao cinema, leia um livro, vá a lugares aos quais você não iria normalmente, conviva com pessoas com que talvez não fosse conviver, saia da sua bolha”, relembra ela, frisando que todo o repertório construído com essas experiências é usado em suas novelas. De Janete Clair a Gilberto Braga, Rosane faz questão de reverenciar, um a um, o panteão dos autores do gênero. “Provavelmente eu me esqueci de alguém, mas aprendo com cada novela que vejo”, afirma. Das velhas tradições aos hábitos da era digital, eis uma noveleira plenamente conectada.
“As redes me dão ótimos insights”
Autora de Dona de Mim, Rosane Svartman fala a VEJA sobre crise das novelas e influência da internet.
Suas produções são protagonizadas por mulheres trabalhadoras. Por que aposta nas pessoas comuns? Personagens assim trazem um ponto de vista fresco — e isso me interessa. Minha estratégia é ouvir, entender o que está à minha volta.
Hoje se fala muito de crise das novelas. Como vê isso? Temos um ecossistema diferente daquele de uns anos atrás e há audiências fragmentadas no mundo todo. Aqui, a gente ainda tem, graças às novelas, audiências massivas. Elas são um fenômeno.
As redes hoje são um termômetro para os autores? Não as vejo como um termômetro porque o público das redes não é o mesmo da TV aberta. Ainda assim, elas dão ótimos insights. Eu mesma já mudei tramas sob inspiração de ideias que vi circulando nas redes.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940