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O grande fetiche nacional

As soluções mágicas que só aumentam o problema

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h26 - Publicado em 18 mar 2022, 06h00

Bolsonaro afirmou que a vinculação do preço do combustível à cotação internacional é algo que “não pode continuar acontecendo”. Lula, que botou a culpa na privatização da BR Distribuidora (como se o motorista do caminhão que faz o frete determinasse o preço da mercadoria), declarou que “o preço vai ser brasileiro, porque os investimentos são feitos em real”. Já Ciro Gomes disse que “eu chegando ao governo (…) essa política vai mudar: a Petrobras vai cobrar quanto custa para produzir”. Simples, não?

Todo problema complexo, dizia o jornalista H.L. Mencken, tem uma solução simples e errada. Bolsonaro, Lula e Ciro se esqueceram de combinar com os russos (e americanos, europeus, chineses). Se o preço for baixo aqui, ninguém venderá para o Brasil e, como não somos autossuficientes, vai haver desabastecimento. Nossos políticos dizem defender a Petrobras e o Brasil, mas obrigar a empresa a vender barato (em vez de vender caro no exterior) trará prejuízos à companhia e aos acionistas — costumeiramente apresentados como figuras satânicas que auferem lucros abusivos e indevidos, mas são na maioria empresas e cidadãos brasileiros, sendo o principal o próprio Brasil.

Dilma represou o preço do combustível e todo mundo viu no que deu: impôs à Petrobras um rombo de 100 bilhões de reais que praticamente quebrou a companhia e se traduziu em mais dívida, descontrole fiscal, inflação etc. A política de paridade com o preço internacional foi criada justamente para blindar a empresa contra governantes intervencionistas e irresponsáveis como Dilma e outros.

“Privatizar a Petrobras criaria muito mais valor para a sociedade e levantaria recursos para fazer o que é realmente importante”

O efeito será similar se o governo determinar o congelamento do preço e escrever um cheque para compensar a perda da Petrobras, ou se abrir mão de imposto, conforme acaba de ser aprovado no Congresso. São outras soluções simples e erradas.

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Qualquer providência que reduza o preço do combustível de maneira uniforme implica transferência de renda de pobre para rico: quem anda de trem vai subsidiar quem anda de carro. Se o subsídio se restringir ao diesel, o pobre vai receber subsídio no transporte de comida, mas vai pagar o subsídio do transporte do carro do rico. Só faz sentido falar em subsídio, ainda mais para combustível fóssil, se for para gás de cozinha do pobre, auxílio emergencial, transporte de alimentos, medicamentos, coisas assim.

Esses argumentos, lamentavelmente, não surtem efeito no Brasil, país que acredita em soluções mágicas e enxerga combustível fóssil como fator estratégico. Mas estratégico é educação, não petróleo: deveríamos privatizar a Petrobras, o que criaria muito mais valor para a sociedade e levantaria recursos para fazer o que é realmente importante (sem falar que a desconcentração reduziria o problema que estamos vivendo hoje). Enquanto o mundo civilizado investe em energia limpa, se organiza para abandonar um combustível ambientalmente insustentável e se prepara para entrar de vez no século XXI, o Brasil segue discutindo pautas dos anos 1950, dando subsídio (uniforme!) para combustível fóssil e destruindo o meio ambiente.

Pelo jeito, só vamos entender o que está acontecendo quando não houver mais comprador para petróleo. Não falta muito tempo.

Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781

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