
O ponto prioritário da agenda bolsonarista no momento é a anistia para os vândalos do 8 de Janeiro, pauta única das recentes manifestações em Copacabana e na Avenida Paulista. Não deixa de ser irônico ver os bolsonaristas — ultrapunitivistas, defensores da truculência policial, entusiastas do “cancelamento” de CPFs — falando sobre a importância do perdão.
Evidentemente, não é disso que se trata. Bolsonaro e seus apoiadores não estão nem aí para o bem-estar dos presos: seu interesse é apenas abrir caminho para, mais tarde, livrar a cara dos peixes graúdos, incluindo, acima de tudo, ele próprio.
O discurso de que os presos são pobres-diabos injustiçados —vendedores de pipoca e de sorvete, cabeleireiras e donas de casa que estavam ali a passeio e fizeram uma travessura — tem apelo. Os brasileiros continuam, na maioria, contra a anistia (56% a 37%), mas a diferença vem se reduzindo. O choque de ver, ao vivo e em cores, o ataque aos Três Poderes vai se esmaecendo no tempo.
E a dureza das penas assusta. Como é possível que uma cabeleireira que pichou uma estátua seja condenada a uma pena mais longa do que um assassino? E os 55 presos sem julgamento há dois anos? Some-se a essa percepção de injustiça os muitos casos em que o Supremo agiu (e ainda age) de maneira vista como excessiva.
É bom, no entanto, pôr as coisas em perspectiva. A tese dos pobres-diabos é falha: é verdade que há muita gente sem noção que entrou de gaiato, mas também é verdade que muita gente estava ali para forçar a convocação das Forças Armadas, que então desfechariam o golpe (se ele era factível ou não, não vem ao caso, o crime permanece).
“O capitão e seus apoiadores não estão nem aí para o bem-estar dos presos”
E vale olhar os números: mais de 2 000 pessoas foram detidas, 1 586 foram denunciadas. Dos 497 condenados por crimes graves, metade fez acordos. Apesar de 205 terem sido condenados a penas maiores do que catorze anos, restam apenas 84 cumprindo pena definitiva, 55 em prisão provisória e cinco em prisão domiciliar. Dos mais de 1 500 denunciados, menos de 6% estão de fato presos. O Supremo não parece ter sido tão duro assim.
Mas os bolsonaristas não querem saber de nada disso e seguem batendo bumbo, querendo levar o projeto a voto no grito. Tentaram obstruir a pauta, impedindo a votação de qualquer coisa além da anistia; pressionaram fortemente o presidente da Câmara (no comício de domingo, Silas Malafaia vociferou que Hugo Motta estaria “envergonhando o povo da Paraíba”); ameaçaram divulgar os nomes dos deputados que não assinaram o requerimento de urgência para a proposta. Depois de conseguirem a irritação e a má vontade dos colegas, recuaram.
O projeto é perigoso para os congressistas: ele compra uma briga enorme com Lula e com o Supremo e não traz nada de vantajoso para ninguém. Uma briga em vão: ainda que o projeto seja aprovado, Lula deve vetá-lo. Se conseguirem derrubar o veto, o Supremo o considerará inconstitucional.
Para costurar a aprovação da anistia, o bolsonarismo precisa agir com cautela e sutileza. Mas cautela e sutileza são itens escassos no arsenal bolsonarista.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2025, edição nº 2939