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Lula e a enrascada na Venezuela

Ficar ao lado de Maduro aumenta a chance de perder em 2026

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 ago 2024, 13h26 - Publicado em 2 ago 2024, 06h00

Lula está em uma enrascada. Se apoiar Nicolás Maduro, se desgasta com democratas e se põe a favor do golpismo do qual foi vítima; se denunciar o ditador, trai a causa do “Sul global”, se desgasta com o PT raiz e perde a chance de negociar uma solução pacífica para a Venezuela.

Registre-se que quem criou a enrascada foi, em grande medida, o próprio Lula. Em mandatos passados, apoiou Hugo Chávez (inclusive com dinheiro do BNDES e do petrolão) enquanto ele desmontava a democracia venezuelana — usando o mesmo método de populistas como Bolsonaro, Trump, Orbán e outros. Neste mandato, deu tratamento preferencial a Maduro, preterindo outros chefes de Estado, ignorou muitas denúncias de fraudes eleitorais e desrespeito aos direitos humanos e afirmou que a Venezuela teria “excesso de democracia”.

Foi fiador do Acordo de Barbados, que regula o atual processo eleitoral venezuelano, mas calou quando Maduro inviabilizou candidaturas oposicionistas, impediu venezuelanos no exterior de votar, proibiu que a oposição usasse carros de som, manipulou recursos oficiais, constrangeu funcionários públicos etc. E zombou de uma candidata de oposição, que não deveria “ficar chorando” por ser impedida de concorrer.

Com essa atitude, Lula mostrou-se um mero vassalo de Maduro. Não surpreende que, ao dizer-se “assustado” com a ameaça de “banho de sangue” do ditador, Maduro o tenha mandado tomar “chá de camomila” e mentido que as eleições brasileiras não são auditadas (mesmo argumento de Bolsonaro).

Agora, com a fraude escancarada e a Venezuela em convulsão, não é hora de brigar com Maduro. A única solução pacífica possível é um acordo em que o ditador entregue o poder em troca de imunidade (e do produto do roubo dos últimos vinte anos) — fora disso, é o prometido banho de sangue. Ainda que com firmeza, é preciso cautela.

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“A única solução pacífica possível é um acordo em que o ditador entregue o poder em troca de imunidade”

O governo está sendo cauteloso e firme: exige os boletins e só — espera-se que, nos bastidores, esteja tentando fazer ver a Maduro que, insistindo em ficar, o ditador pode acabar (como acabaram outros que não souberam a hora de ir embora) no paredão.

Falta cautela, porém, ao chefe do governo e a seu partido. O PT saudou a vitória e a jornada “pacífica, democrática” no mesmo dia em que pulularam denúncias de fraude e pessoas começaram a morrer. Lula afirmou que considera tudo “normal”, que vai reconhecer a vitória quando (e não se) os boletins aparecerem e que, se a oposição não concordar, que recorra à Justiça, como se isso fosse possível.

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Lula e seu partido sinalizam que o Brasil aceitará boletins adulterados e que, se eles não aparecerem, vão acabar reconhecendo a vitória do ditador assim mesmo. Em vez de empurrarem Maduro para a saída pacífica, o empurram para se manter no cargo.

Sem falar da questão eleitoral. Lula ficou do lado de Putin contra a Ucrânia, de Xi Jinping contra o Ocidente, do Hamas contra os judeus, perdendo votos de muitos dos não petistas que lhe deram a vitória em 2022. Ficar com Maduro contra o povo venezuelano aumenta a chance de perder em 2026.

Hora de ser mais firme, presidente.

Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904

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