
O identitarismo de esquerda — o movimento de exaltação agressiva das minorias nas redes — segue orgulhoso e triunfante. Mas não tem futuro.
Quando surgiu, o identitarismo parecia uma versão anabolizada do politicamente correto: eventualmente exagerada, mas benigna. Afinal, em uma sociedade com injustiças tão fortes e flagrantes, era bom que houvesse gente a lembrar a todos quanto falta para alcançar o velho ideal liberal de liberdade e igualdade.
No começo, a nobreza da causa impediu que muitos democratas criticassem o crescente radicalismo do identitarismo. Afinal, quem quer parecer inimigo de tão belos ideais? E, no Brasil, a eleição de Jair Bolsonaro acentuou o problema: como criticar erros de integrantes de minorias quando está no poder alguém que defende persegui-las?
Apesar da agressividade crescente do movimento, o medo dos cancelamentos, do assassinato de reputações, da perda do emprego, calou os críticos ainda por um período. Não mais.
Conservadores foram os primeiros a reclamar, depois vieram os liberais (ambos os grupos imediatamente tachados pelos identitários de “fascistas”, “racistas”, “misóginos” etc.) — e agora é a vez da esquerda tradicional.
Quando a psicanalista Maria Rita Kehl afirmou que identitários formam “nichos narcísicos” que calam quem diverge, impedindo o diálogo, os identitários… tentaram calá-la, claro. Como as credenciais de esquerda de Kehl são impecáveis, os identitários a demonizaram porque seu avô era eugenista.
“O movimento só serve para impedir um debate construtivo e dar votos à extrema direita”
O episódio deu um nó nos identitários e simpatizantes: como recorrer à tese da “herança mortal” — usada por séculos para justificar a opressão aos negros? Se eugenia é inaceitável, como usá-la para atacar alguém?
Quando uma identitária negra publicou um artigo virulentamente racista contra o cineasta Walter Salles, identitários e simpatizantes ficaram de novo atordoados. Era impossível não ver o racismo, mas também era proibido criticar uma negra, e ainda mais proibido reconhecer que existe racismo de negro contra branco. E passar pano era ser cúmplice.
Recentemente, em entrevista a VEJA, Washington Quaquá, vice-presidente do PT, declarou guerra ao identitarismo, culpando-o pela queda de popularidade do governo. De quebra, atacou violentamente a ministra Anielle Franco, identitária negra e mulher, a quem acusa de nomear funcionários fantasmas.
Silvio Almeida, identitário negro que caiu por uma denúncia de assédio sexual da ministra, ressurgiu para acusá-la de calúnia. Os próprios identitários vão se dando conta de que a tese de que “a vítima tem sempre razão” é um beco sem saída.
O tempo em que a bateção de bumbo do identitarismo de esquerda ajudava a abrir os olhos da maioria para as injustiças contra as minorias passou. Hoje está claro que, ao exigir de todos — menos de si mesmo — um grau de pureza e virtude só possível em sua imaginação, afasta potenciais aliados, prejudica as minorias que pretende defender e briga consigo mesmo. Só serve para impedir um debate construtivo e dar votos à extrema direita.
O identitarismo não vai deixar saudade.
Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2025, edição nº 2933