![PORTO ALEGRE, BRAZIL - MAY 6: Aerial view of the flooded Beira-Rio Stadium on May 6, 2024 in Porto Alegre, Brazil. Rescue efforts continue in Porto Alegre due to the floods caused by the heavy rains that have battered Brazilian State of Rio Grande Do Sul. A State of Public Calamity has been called by local government while 281 municipalities have been affected, thousands of people have been displaced and damages in infrastructure cause difficulties to access affected areas or big power outages around the state. (Photo by Max Peixoto/Getty Images)](https://preprod.veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2024/05/GettyImages-2151201124-1-e1715813956422.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
A humanidade está diante dos dois maiores desafios que já enfrentou. Um, herança do século XIX, é o modelo de exploração desenfreada de recursos minerais, que joga na atmosfera bilhões de toneladas de CO2 (e outros gases) por ano. Todos sabemos a gravidade do problema: segundo a Quaest, 99% dos brasileiros associam a tragédia no Rio Grande do Sul à mudança climática.
Apesar de sabermos que precisamos mudar nossa conduta, seguimos — como o fumante que admite a conexão entre fumo e câncer, mas continua fumando — vivendo da mesma maneira. “Dai-nos a sustentabilidade e a continência, mas não agora”, poderia dizer Santo Agostinho.
Lula defende o fim do combustível fóssil, mas investe em exploração e refino de óleo. Não há campanha de conscientização para estimular álcool combustível, energia solar nas residências, economia de água e de eletricidade, separação de lixo etc. Fala em desmatamento zero, mas não há projeto de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. O Congresso insiste em aprovar projetos contra o meio ambiente e até hoje não regulamentou o mercado de crédito de carbono. Não existem metas, plano ou cronograma.
O problema é planetário, reconheça-se, mas o Brasil tem características que deveriam nos tornar um exemplo a seguir. No entanto…
“Há enorme especulação sobre se a revolução tecnológica nos dará o paraíso ou a destruição”
O outro desafio vem de um futuro que já começou. Esta semana, a OpenAI lançou a nova versão do ChatGPT, a ferramenta de inteligência artificial mais avançada do mercado. O GPT-4o lê, escreve, ouve, fala, enxerga, reconhece objetos, bate papo (permite ser interrompido), tem senso de humor, demonstra emoção e sabe até cantar.
Há enorme especulação sobre se o admirável mundo novo da revolução tecnológica nos dará o paraíso ou a destruição. Ou uma coisa e depois a outra. O que é certo é que a mudança será brutal e muito rápida. Certas indústrias, como a da música ou a imprensa, já viraram pelo avesso, e muitas outras virarão. Estudo recente do FMI indica que 40% dos empregos do mundo serão afetados.
A humanidade viu um filme parecido no século XIX, quando um mundo rural e agrário se tornou urbano e industrial de repente. Comparada à revolução tecnológica de hoje, a Revolução Industrial aconteceu em câmera lenta, dando tempo para que as pessoas se adaptassem. Hoje, assalariados perdem o emprego e recorrem ao Uber (onde ganham uma fração do que ganhavam antes) como tábua de salvação. Em breve os carros serão automáticos, dirigidos por inteligência artificial, e não se sabe se haverá tábua de salvação.
Quando surge algo novo, como o Uber, o governo tenta enfiar os motoristas de aplicativo na camisa de força da CLT, paradigma superado há tempos. Enquanto o GPT-4o lê e escreve em cinquenta idiomas e conhece matemática avançada, o Brasil segue na rabeira do Pisa, ensinando um português ruim e uma matemática pior.
Há muito a fazer para superar os desafios atuais. Um bom primeiro passo é (re)ler A Marcha da Insensatez, em que a historiadora Barbara Tuchman estuda o que leva governos a promover políticas que acabam por destruí-los (e aos cidadãos que governam).
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893