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Vale a pena ler de novo o que saiu nas páginas de VEJA em quase cinco décadas de história
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Mário Covas só temeu um adversário na vida: o câncer

O hábil negociador, parceiro fiel de dona Lila e defensor da retidão da classe política arrastou multidões em cortejos fúnebres após sua morte, em 2001

Por Da redação
Atualizado em 30 jul 2020, 20h32 - Publicado em 8 mar 2018, 22h43

No texto da seção Primeira Pessoa, da edição de VEJA que chega nesta sexta-feira às bancas, o vereador Mário Covas Neto falou sobre seu pai, Mario Covas, morto em 2001, e da bipolaridade e suspeita de Alzheimer de sua mãe, Lila. “Na semana retrasada, um dia depois de anunciar minha saída do PSDB, partido que o meu pai, Mario Covas, ajudou a fundar, fui visitar a minha mãe, Lila. Ela vive desde julho em uma clínica médica destinada a idosos. Naquela manhã, pela primeira vez, ela não me reconheceu. Perguntou a mim mesmo quem eu era, teve dificuldades de entender o que acontecia. Só retomou a memória quando pronunciei o meu apelido de infância, Zuzinha.”

A família e especificamente seu mais famoso integrante, Mário Covas, foi um personagem habitual das páginas da revista. Em reportagens que exaltavam sua liderança e pulso forte nas decisões políticas, mas também seu lado caseiro, amoroso. Na edição 636, de 12 de novembro de 1980, ainda na ditadura militar, o então presidente do PMDB foi o entrevisto das Páginas Amarelas de VEJA.

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“O engenheiro Mário Covas Júnior voltou à política, em 1979, com o apetite de quem amargara um jejum de dez anos. Voltou sem o mandato de deputado federal, cassado pelo AI-5, e com as inevitáveis marcas do tempo — aos 50 anos, Covas, pai de dois filhos, é avô. Mas, trazido para o centro do redemoinho político do antigo MDB de São Paulo, um indócil conglomerado de tendências e facções, mostrou que o ostracismo não o privara de duas virtudes que contribuíram decisivamente para sua ascensão à liderança da oposição na Câmara Federal, cargo que ocupava com inegável talento e reconhecido poder de jogo, no momento em que foi alcançado pela degola, em janeiro de 1969: bom tribuno. Covas também sabe exibir competência em conversas ao pé do ouvido.”

Perguntado sobre o processo de abertura democrática do país, Covas afirmou que ele vinha ocorrendo com competência, mas não parou por aí. “Mas não há dúvida também de que esse projeto não visa à construção da democracia que desejamos. A competência do governo deve ser contraposta a competência das oposições, que captam no meio do povo um nível de aspiração política muito além daquele que o projeto de abertura lhe oferece.”

E disse mais: “No caso brasileiro, os condutores da abertura política não reconhecem aos grupos de oposição da sociedade a perspectiva de ascender ao poder. O conteúdo formal de uma democracia exige essa perspectiva. As oposições não querem, não desejam, não apostam no caos econômico. Como foram impedidas de interferir no processo econômico, social e político do país durante tanto tempo, não podem ser responsabilizadas pela situação de descalabro e que vivemos”.

Em 27 de abril de 1983, Covas volta a ser tema da revista. Uma reportagem-perfil prometeu e cumpriu mostrar a vida de um dos maiores políticos que o país já teve assim que ele foi escolhido para a Prefeitura de São Paulo. No texto a seguir, o ambiente de sua nomeação pelo então governador ocorre ao lado de outros dois nomes da história nacional.

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“Tenso, após uma semana de arrastadas negociações de bastidores, o deputado federal Mário Covas Júnior, secretário dos Transportes de São Paulo, entrou no gabinete do governador Franco Montoro às 4 e meia da tarde de terça-feira passada — e ali encontrou, além de todos os cardeais do PMDB paulista, o vice-governador Orestes Quércia, seu principal adversário no partido. (…) Quércia ergueu-se rápido de uma poltrona de couro e, em meio a um abraço no recém-chegado, deu-lhe a notícia: ‘Parabéns, prefeito’. Só naquele momento esse engenheiro de 53 anos, nascido em Santos, pôde ter certeza de que fora afinal escolhido para governar os destinos da maior cidade do país, um formidável formigueiro urbano com 9 milhões de habitantes.”

A matéria mostrava parte do racha que culminaria anos depois (1988) na criação do PSDB, formado por um grupo de dissidentes do PMDB encabeçado por Mário Covas, Montoro e Fernando Henrique Cardoso. Além dos bastidores da política, uma marca de VEJA em seus 50 anos, o texto trazia curiosidade do dia a dia do personagem, como no trecho em que ouve de sua esposa, Lila, a definição do santista.

A parceira de todos os momentos

“‘O Mário é conservador'”, acha dona Lila, casada há 28 anos com o  futuro prefeito. Ela baseia seu curto diagnóstico na maneira de vestir do marido: ‘Jamais consegui que ele vestisse jeans, e as camisas só podem ser as mais sérias possíveis’, Ela revela que Covas também é fiel a velhos hábitos. Desde jovem fuma quatro ou cinco maços de cigarro por dia. Certa feita, decidiu combater o vício: ficava com um cigarro na boca, logo o atirava fora e apanhava outro. Voltou a fumar depois de constatar que continuava a comprar quatro, cinco maços. Avesso ao álcool, é um respeitável consumidor de guaraná.

Dona Lila prefere contornar temas políticos. ‘Eu sou mesmo é doméstica’, explica. ‘Gosto de cozinhar para ele e levar os jornais na cama. Detesto subir em palanques e não entendo nada de política.'”

Um amor inabalável na alegria e na tristeza. “Dos quatro filhos do casal, um morreu recém-nascido, em Brasília, e outra, Sílvia, morreu no réveillon de 1975, num desastre de motocicleta.”

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“‘Quando o PMDB estava sendo montado, nós dois viajávamos muito para o interior’, ela recorda. ‘Os jornais anunciavam que Mário Covas e sua comitiva iriam para este ou aquele lugar. A comitiva era eu.'”

Todo o texto de 1983 é saboroso e vale a pena ser lido na íntegra

De prefeito, Covas concorreu e venceu a eleição ao Senado Federal, cargo que ocupou de 1987 a 1995. Saiu para se tornar governador do Estado de São Paulo. Era um nome forte no cenário nacional e uma das figuras mais respeitadas do país, mesmo pelos adversários. Imbatível? Não para o câncer.

O medo de morrer

Em 1999, o sempre sorridente Covas deu uma corajosa entrevista para Ricardo Noblat em mais uma Amarelas de VEJA, desta vez à edição 1599, de 26 de maio daquele ano.

Veja — E então, governador, pronto para voltar ao trabalho?

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Covas — Prontíssimo. Lila, minha mulher, acha que até fiquei mais alegre, menos “bronquinha”, como ela diz. E tenho todas as razões para estar… Não é o que pensam os meus secretários de Estado. Eles acham que a operação não mudou o meu jeito de ser. Dizem que continuo o mesmo mal-humorado de sempre.

Screen Shot 2018-03-07 at 5.16.37 PMVeja — Como o senhor avalia o impacto da cirurgia e da quimioterapia para a sua vida pessoal?

Covas — Depois de uma situação dessas, comecei a dar valor para certas coisas às quais não prestava a atenção devida. Refiro-me a coisas simples do dia-a-dia, como um abraço e um beijo, um telefonema. Não saberia dar exemplos ao certo. Isso acontece quando você passa por um grande trauma. Quando você passa a ver com clareza que a morte não é uma certeza teórica. Ela é um dado da realidade. As pessoas até fazem seguro de vida para garantir a família, mas, fora isso, ninguém quer pensar como é que vai ser o dia em que ela chegar. Todos se defendem internamente afastando a ideia. Mas eu não tive essa opção.

Veja — Como é pensar sobre a morte?

Covas — Eu fiquei com muito, muito medo.

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Veja — O medo surgiu ao ser informado de que tinha um tumor ou ao conhecer os detalhes da cirurgia?

Covas — Fiquei assustado ao ser informado do tumor. Eu tinha estado com umas dores na região do rim e feito uma tomografia. Daí os meus médicos vieram em casa me trazer o resultado. Eram quatro. Ora, toda vez que três ou mais médicos vão te procurar, pode escrever. É má notícia. Do contrário, só um deles apareceria para falar comigo. Graças a Deus, a minha família é muito unida e já passou por muita coisa ruim. Perdi uma filha, tive o meu mandato cassado, passei um Natal preso. De sofrimento, a minha família entende. Chamei a minha mulher, meus filhos. Eles estavam comigo todas as horas.

A última pergunta dessa entrevista é tão ou mais comovente.

Veja — Muitas pessoas tiram lições de episódios difíceis. O senhor tira alguma lição desse caso?

Covas — Vivi momentos duros, mas foram instantes muito dignos. A experiência de enfrentar uma doença dessas eu não desejo para ninguém. Mas acabou sendo uma experiência da qual a gente pode tirar muita coisa boa. A maior lição que fica é a solidariedade. Lila tem quase um caixote de medalhas, de santinhos, de água benta que mandaram do Brasil inteiro. Gente que não me conhece pessoalmente, gente de cidades distantes com mensagens de carinho de partir o coração. O melhor desse episódio é que, apesar de todo o sofrimento, todas as provações, essa é uma história com final feliz. E eu devo muito a esses milhares de amigos que fiz sem conhecer.

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O fim

Com a morte do tucano, há dezessete anos, VEJA rendeu merecidas homenagens ao político paulista na edição 1691 de 14 de março de 2001.

“Poucas vezes o Brasil rendeu a um político a homenagem emocionada que dedicou na semana passada ao governador Mário Covas, de São Paulo. Houve mais lágrimas e cortejos fúnebres maiores, mas sempre para figuras ímpares no panteão político nacional, como Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek. Tancredo Neves recebeu igualmente uma despedida marcante, após se tornar o primeiro presidente civil depois da ditadura e morrer antes de se apossar da faixa presidencial. Além desses, é difícil lembrar de qualquer outro político que tenha mobilizado o coração nacional como Covas fez na última semana. Tinha 70 anos. Estima-se que 20 000 pessoas passaram pelo velório no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista. Em Santos, sua cidade natal, no litoral de São Paulo, 15 000 saíram às ruas para acompanhar o sepultamento. Na quarta-feira, na final do torneio Rio-São Paulo, 70 000 torcedores que estavam no estádio do Morumbi gritaram o nome do governador por quase um minuto em sinal de reverência.”

Em um texto primoroso, a publicação tenta entender porque aquele sujeito, que ganhava eleições apertadas, que teve discussões acaloradas com professores e mães de internos da antiga Febem, causou tamanha comoção.

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“Em primeiro lugar, fica claro que Covas assombrou as pessoas pela forma valente com que enfrentou um câncer que devorava suas entranhas. A morte anunciada, não a repentina, é o momento mais dramático da vida para a grande maioria das pessoas. Todos a temem e entram em estado de choque psicológico. Covas também a temia, mas se comportava com bravura, como se a estivesse desafiando. Para começar, ele admitiu em público que estava doente e jamais escondeu a gravidade do mal que o afligia, coisa que os políticos raramente fazem. “Vou em frente, mesmo sem todas as peças originais”, disse ele, depois de uma cirurgia na qual lhe extirparam um pedaço do intestino. Já estava sem a bexiga, substituída por um órgão construído com tecido intestinal. Num discurso no Palácio dos Bandeirantes, no estágio mais evoluído da doença, começou a dizer frases sem sentido por causa do efeito dos medicamentos fortes que estava usando para controlar a dor. Tentou continuar até que a mulher, Lila Covas, pediu chorando que, por favor, parasse. A platéia se levantou para aplaudi-lo.”

É preciso tomar fôlego para continuar lendo.

“Covas era em vida definido como turrão, cartesiano, eixo do partido que ajudou a fundar, o PSDB. Ninguém se lembrou muito dessas características depois da morte. A homenagem mais visível era à sua honestidade. Nas ruas por onde passou seu cortejo fúnebre, havia faixas ressaltando essa qualidade do governador. ‘Adeus Mário Covas, exemplo de dignidade e honestidade’, dizia uma.”

Leia toda a reportagem sobre a morte de Covas clicando aqui.

 

 

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