Defender o fim do foro especial para todos é apostar na bagunça
Acho impressionante que os que se ocupam da militância política não percebam os riscos institucionais de tal proposta
Bem, meus caros, faço o esforço necessário para explicar determinadas questões. Se o sujeito faz questão de não aprender, fazer o quê?
Hoje, qualquer um que proponha qualquer bobagem contra políticos ganha logo a adesão da massa. “Vamos cortar pela metade o salário dos senadores!” Aplausos! “Fim do direito ao apartamento funcional!” Aplausos. Nem se dão conta de que, se aplicado tudo o que desejam, a política seria monopólio dos ricos. E as tolices vão se acumulando.
O fim do foro especial — e não que a questão não deva, de fato, ser revisada — é uma dessas bobagens que logo seduzem as pessoas. Afinal, a questão é vendida — o que é um erro — como um privilégio. E, se é um privilégio, então somos contra.
Uma emenda do senador Álvaro Dias (PV-PR) propondo o fim do foro para deputados e senadores acabou sendo alargada no Senado. Segundo o texto aprovado por 75 votos a zero, só os chefes dos Poderes conservam a prerrogativa. O resto vai para a primeira instância.
É claro que a Casa está mandando um recado ao Supremo, que deve votar proposição de Roberto Barroso — que se comporta, mais uma vez, como legislador —, segundo a qual os parlamentares que cometeram crimes antes do exercício do mandato seriam processados pela primeira instância — ou para lá seriam devolvidos.
Bem, num caso e noutro, dada a estrutura da Justiça brasileira, um juiz de Obscurilândia do Sul poderia até decretar a prisão preventiva de um ministro. Seria preciso, ademais, ver a questão das competências, não é? Um processo na esfera da Justiça estadual ensejaria as mesmas consequências de outro na esfera federal? Os senhores políticos teriam de se preocupar com os mil e poucos juízes federais ou com os quase 18 mil juízes de todas as esferas e instâncias?
Ah, sim: o Senado decidiu acabar com o foro especial também de juízes, promotores, procuradores, de todo mundo… Como disse o mal interpretado Romero Jucá, “se é suruba (e suruba, na fala dele, é o fim do foro), então tem de ser para todo mundo”.
E que tal a subversão explícita da ordem? Todo mundo vai para a primeira instância, certo? Certo! Um ministro do Supremo acusado de crime seria julgado por um colega seu da primeira instância?
Há outras questões. Segundo a proposta de Roberto Barroso, outro Numinoso, um parlamentar só manteria o foro por crimes cometidos no exercício do mandato, certo? Mas poderia perdê-lo por crimes cometidos antes?
Ah, sim: mesmo quando o Supremo cassa um mandato, é preciso que a Casa, Senado ou Câmara, endosse a cassação. Mais: um agora deputado ou senador poderia ter a prisão decretada por crime cometido antes. Acontece que a Constituição só permite a prisão em flagrante de parlamentares federais.
De resto, vamos parar de, desculpem-me, palhaçada. Quem não se lembra de Hildebrando Paschoal? A sua motosserra só deixou de ser uma categoria de pensamento quando seu caso chegou ao Supremo, saindo das cercanias do Acre.
A propósito: alguns dos coronéis da política brasileira teriam mais chances de livrar a própria cara nas respectivas justiças estaduais ou no Supremo?
De resto, a pergunta: a Justiça de primeiro grau é exemplo de eficiência e celeridade?
Espero que o Supremo diga “não” ao Barroso legislador e que a Câmara simplesmente mande arquivar aquela provocação ridícula que saiu do Senado. Sim, é precioso diminuir o número de pessoas com foro especial. Mas fazê-lo com competência e método.