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Real Estate

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Grandes negócios e tendências do mercado imobiliário. Renata Firpo é publicitária, consultora imobiliária e advogada pós-graduada em Direito imobiliário

Vale a pena alugar um imóvel para uma entidade religiosa?

Negócio tem algumas vantagens interessantes, mas pode também render uma grande dor de cabeça

Por Renata Firpo
19 ago 2025, 11h06

Alugar um imóvel para uma igreja, um templo, um centro espírita ou um terreiro de candomblé não é uma pauta imobiliária das mais simples. Do ponto de vista jurídico, a moldura é clara: a Constituição Federal garante imunidade tributária aos templos de qualquer culto. Desde 17 de fevereiro de 2022, com a Emenda Constitucional 116, essa imunidade alcança também os templos que funcionam em imóveis alugados, ou seja, a falta do registro próprio não tira o benefício do IPTU quando o espaço é usado para culto. Isso acaba se tornando um grande negócio tanto para o locatário, que não desembolsa esse custo, quanto para o locador, que não precisa descontar a taxa do aluguel ou se preocupar com inadimplência com a prefeitura.

Na prática, cada poder municipal organiza de uma forma própria o rito burocrático da imunidade. No geral, costuma-se exigir prova de atividade religiosa, contrato de locação e alvará de funcionamento em dia. A cidade de Curitiba, no Paraná, por exemplo, detalha que a imunidade vale só para as áreas efetivamente destinadas ao culto, que esse acordo precisa ser renovado anualmente e que ele não afasta taxas como a da coleta de lixo. É um bom lembrete de um ensinamento básico de Direito Tributário: imunidade é para impostos, mas as taxas seguem vivas.

Regularizar o funcionamento dessa locação é outro capítulo. Além das nuances jurídicas, é preciso prestar atenção às demandas administrativas e de infraestrutura. Templos atraem público e, portanto, em regra, precisam de alvará municipal e laudos de segurança, como o AVCB do Corpo de Bombeiros. Muitas autuações ocorrem por ausência de licença, não por intolerância religiosa, ainda que seja inegável a existência ainda de muito preconceito relacionado a alguns tipos de cultos.

O barulho é outro ponto sensível nesse negócio comercial, pois entra na esfera de convívio com a vizinhança, um tema bastante sensível. Em São Paulo, a fiscalização de ruído de templos é feita pela Prefeitura, via PSIU. As queixas passam pelo telefone 156 e os limites variam conforme zona e horário, com multas pesadas e até interdição. São diversas queixas que vão do barulho dos sinos das igrejas católicas aos atabaques dos candomblés, passando também pelas pregações dos evangélicos em alto e bom som. A reclamação sobre o incômodo do barulho não tem religião, é laica.

O proprietário do imóvel alugado fica numa situação difícil, entre atender as demandas dos queixosos e o medo de perder o aluguel. O primeiro se administra com projeto acústico, alvará e cláusulas de uso responsável. O segundo tem fundamento jurídico parcial. A Lei do Inquilinato dá proteção especial a entidades religiosas: não cabe despejo por denúncia vazia como se o templo fosse uma loja que o locador quer trocar de inquilino. A retomada exige motivo como falta de pagamento, infração contratual ou obras urgentes e, se o despejo for mesmo decretado, o prazo para desocupação pode chegar a um ano. Além disso, quem quer se indispor com locatários religiosos? Melhor evitar.

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A fronteira entre conflito urbano e liberdade religiosa aparece com frequência na imprensa e nos tribunais. Em junho, por exemplo, a Justiça do Pará determinou o despejo de unidades da Igreja evangélica Mundial do Poder de Deus por uma série de dívidas, inclusiva de aluguel, caso didático de que proteção especial não dá passe livre para inadimplência. Em outra ponta, um episódio gerou polêmica quando um salão paroquial foi alugado para um evento de umbanda em Porto Alegre. A arquidiocese cancelou a locação depois da repercussão, expondo como o uso de espaços “seculares” por religiões de matriz africana ainda provoca ruídos sociais que vão além do som. Sem esquecer que, recentemente, o famoso clube noturno paulistano D-Edge funcionou por uma noite como centro religioso, uma espécie de culto evangélico misturado com balada. Até agora, a única repercussão negativa foi a respeito das falas da cantora Baby do Brasil, presente no evento, mas a execução do culto não parece ter incomodado a vizinhança ou ultrapassado nenhuma legislação.

Vale lembrar que negar locação do imóvel só porque o uso será um terreiro ou um centro espírita com a justificativa de não se tratar do “perfil de negócio” pode ser enquadrado como discriminação religiosa. A Lei 7.716 de 1989 tipifica a prática, a indução ou a incitação de discriminação por motivo de religião, com pena de reclusão e multa. Some-se a isso a noção de “racismo religioso”, frequentemente aplicada quando a intolerância atinge religiões de matriz africana. A liberdade de crença não é uma bondade estatal, mas, sim, um direito fundamental, e o mercado de locações imobiliárias não fica do lado de fora da Constituição.

No fim, alugar para um templo é menos sobre “risco” e mais sobre método. Quando há papelada em dia, contrato bem feito e respeito ao entorno, o culto convive com o condomínio. Quando há preconceito, a lei entra com régua e compasso, seja na esfera tributária, seja no combate à discriminação. E o imóvel, que ontem era um galpão silencioso, hoje pode ser um espaço de fé, comunidade e, com sorte, excelentes vizinhos.

Amém, axé e assim seja, com decibéis dentro da norma.

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