Bolsonaro “planejou, dirigiu e executou” plano de golpe de Estado, diz PF
Leia a íntegra do relatório da Polícia Federal enviado a Alexandre de Moraes; participação do ex-presidente é detalhada em oito páginas do documento
O STF acabou de divulgar o documento da Polícia Federal com 878 páginas que reúne todas as acusações da investigação do plano de golpe de Estado contra Jair Bolsonaro e outros 36 investigados por participação na trama. A parte que trata da atuação de Bolsonaro tem oito páginas.
“Conforme apresentado, os elementos acostados nos autos evidenciaram a atuação de uma organização criminosa que, desde o ano de 2019, começou a desenvolver ações voltadas a desestabilizar o Estado democrático de Direito, com o fim de obtenção de vantagem consistente em tentar manter o então presidente da república JAIR BOLSONARO no poder, a partir da consumação de um golpe de Estado e da abolição do Estado democrático de Direito, restringindo o exercício do Poder Judiciário e impedindo a posse do então presidente da República eleito”, diz a conclusão da PF.
Para a consecução do objetivo, identificou-se uma divisão de tarefas em núcleos, com a criação de uma estrutura de atuação previamente ordenada da seguinte forma:
g) Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;
h) Núcleo Responsável por Incitar Militares a Aderirem ao Golpe de Estado;
i) Núcleo Jurídico;
j) Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;
k) Núcleo de Inteligência Paralela;
l) Núcleo de Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas.
O que o documento fala sobre Jair Bolsonaro:
Os elementos de prova obtidos ao longo da investigação demonstram de forma inequívoca que o então presidente da República, JAIR MESSIAS BOLSONARO, planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa que objetivava a concretização de um Golpe de Estado e da Abolição do Estado Democrático de Direito, fato que não se consumou em razão de circunstâncias alheias à sua vontade. O arcabouço probatório colhido indica que o grupo investigado, liderado por JAIR BOLSONARO, à época presidente da República, criou, desenvolveu e disseminou a narrativa falsa da existência de vulnerabilidade e fraude no sistema eletrônico de votação do País desde o ano de 2019, com o objetivo de sedimentar na população a falsa realidade de fraude eleitoral para posteriormente a narrativa atingir dois objetivos: primeiro, não ser interpretada como um possível ato casuístico em caso de derrota eleitoral e, segundo e mais relevante, ser utilizada como fundamento para os atos que se sucederam após a derrota do então candidato JAIR BOLSONARO no pleito de 2022.
O intento do grupo criminoso, nesse sentido, resta evidenciado, dentre outros fatos, durante a reunião de cúpula do Poder Executivo Federal, ocorrida em 05 de julho de 2022, treze dias antes da reunião com os embaixadores. Os discursos realizados pelo então Presidente JAIR BOLSONARO e outros integrantes do Governo, como o Ministro da Justiça ANDERSON TORRES, além do ministro da Defesa PAULO SÉRGIO, do ministro do GSI, AUGUSTO HELENO e do Secretário-geral da Presidência em exercício, MARIO FERNANDES, seguiram exatamente a metodologia desenvolvida pela milícia digital, propagando e disseminando alegações sabidamente não verídicas ou sem qualquer lastro concreto, de indícios da ocorrência de fraudes e manipulações de votos nas eleições brasileiras, decorrentes de vulnerabilidades do sistema eletrônico de votação.
A mencionada reunião de cúpula, previamente estruturada e realizada três meses antes das eleições de 2022, teve a finalidade de cobrar dos Ministros de Estado presentes, a promoção e a difusão, em cada uma de suas respectivas áreas, de desinformações quanto à lisura do sistema de votação, utilizando a estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e desgarrados do interesse público. Após o resultado do 2º turno das eleições presidenciais de 2022, conforme detalhadamente descrito ao longo do presente relatório, o discurso de vulnerabilidades das urnas e de que havia ocorrido fraude eleitoral continuou sendo reverberado, inclusive, de forma mais incisiva com a Representação Eleitoral para Verificação Extraordinária peticionada pelo Partido Liberal, contendo dados técnicos inconsistentes, deliberadamente apresentado com ciência e autorização de JAIR BOLSONARO e VALDEMAR COSTA NETO.
Ademais, as ações de pressão ao comandante do Exército, como a denominada “Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro” teve ciência e autorização, para ser elaborada e posteriormente disseminada, pelo então presidente da República, JAIR BOLSONARO, conforme trocas de mensagens identificadas entre MAURO CID e SÉRGIO CAVALIERE e posteriormente ratificada em depoimento/declarações prestado pelos investigados à Polícia Federal.
Dando prosseguimento à execução do plano criminoso, o grupo iniciou a prática de atos clandestinos com o escopo de promover a abolição do Estado Democrático de Direito, dos quais JAIR BOLSONARO tinha plena consciência e participação ativa.
No referido contexto, a investigação obteve elementos de prova que corroboraram que o então presidente JAIR BOLSONARO, com apoio do núcleo jurídico da organização criminosa, elaborou um Decreto que previa uma ruptura institucional, impedindo a posse do governo legitimamente eleito, estabelecendo a Decretação do Estado de Defesa no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a “conformidade e legalidade do processo eleitoral”. Na concepção dos integrantes da organização criminosa, a assinatura deste decreto presidencial serviria como base legal e fundamento jurídico para o golpe de Estado.
Há também nos autos relevantes e robustos elementos de prova que demonstram que o planejamento e o andamento dos atos eram reportados a JAIR BOLSONARO, diretamente ou por intermédio de MAURO CID. As evidências colhidas, tais como os registros de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada, conteúdo de diálogos entre interlocutores de seu núcleo próximo, análise de ERBs, datas e locais de reuniões, indicam que JAIR BOLSONARO tinha pleno conhecimento do planejamento operacional (Punhal Verde e Amarelo), bem como das ações clandestinas praticadas sob o codinome Copa 2022.
Ademais, restou evidenciado que uma das linhas de ação implementada foi o direcionamento das manifestações em frente às instalações militares conforme o interesse do grupo investigado. O arcabouço probatório obtido demonstra que integrantes do Governo Federal e militares da ativa, com formação em forças especiais estavam atuando para direcionar os manifestantes, conforme seus interesses, descrevendo a forma de agir, os locais de atuação, além de respaldarem suas ações, por meio da Forças Armadas. Há também elementos de prova de que havia uma interlocução entre lideranças das manifestações antidemocráticas e integrantes do governo do então Presidente JAIR BOLSONARO para dar respaldo e intensificar os movimentos de ataque às instituições. Constatou-se que, no dia 11 de novembro de 2022, já havia a intenção de que as manifestações fossem direcionadas fisicamente contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, fato que efetivamente ocorreu no dia 08 de janeiro de 2023.
Concomitantemente, o planejamento operacional “Punhal Verde Amarelo” elaborado pelo General MARIO FERNANDES, então Secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, descrevia todos os dados necessários para a execução de uma operação de alto risco. O plano dispunha de riqueza de detalhes, com indicações acerca do que seria necessário para a sua execução, e, até mesmo, descrevendo a possibilidade da ocorrência de diversas mortes, inclusive de eventuais militares envolvidos.
Dentre as ações a serem realizadas pelos “Kids pretos” que aderiram ao intento golpista, no planejamento operacional “Punhal Verde Amarelo” constava a prisão/execução do ministro ALEXANDRE DE MORAES, além da possibilidade de assassinato dos integrantes da chapa presidencial eleita, no caso LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA e GERALDO ALCKMIN. Há nos autos elementos probatórios demonstrando que no dia 09 de novembro de 2022, após elaborar e imprimir o documento no palácio do Planalto, MARIO FERNANDES foi até o palácio da Alvorada, local onde estava o presidente JAIR BOLSONARO. Ainda, na data de 06 de dezembro de 2022, constatou-se a presença concomitante dos militares RAFAEL DE OLIVEIRA e MAURO CID na região do Palácio do Planalto em horário compatível com a presença do então presidente da República JAIR BOLSONARO por aproximadamente 30 minutos, no local. Ademais, exatamente neste mesmo dia e horário, MARIO FERNANDES também estava no Palácio do Planalto e imprimiu novamente o planejamento operacional denominado “Punhal Verde Amarelo”. Além disso, após saírem da Sede do Poder Executivo Federal, MAURO FERNANDES encaminhou mensagem para MAURO CID evidenciando o ajuste de ações.
Na manhã seguinte – 07 de dezembro de 2022-, após ter realizado pessoalmente ajustes na minuta do decreto presidencial, JAIR BOLSONARO convocou os Comandantes das Forças Militares no Palácio da Alvorada para apresentar o documento e pressionar as Forças Armadas a aderirem ao plano de abolição do Estado Democrático de Direito. Os comandantes do Exército e da Aeronáutica se posicionaram contrários a aderirem a qualquer plano que impedisse a posse do governo legitimamente eleito. Já o comandante da Marinha, ALMIRANTE GARNIER, colocou-se à disposição para cumprimento das ordens.
Diante da recusa dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica em aderirem ao intento golpista, o então presidente JAIR BOLSONARO, no dia 09 de dezembro de 2022, reuniu-se com o General ESTEVAM THEÓPHILO, comandante do COTER, que aceitou executar as ações a cargo do Exército e capitanear as tropas terrestres, caso o então presidente JAIR BOLSONARO assinasse o Decreto.
Até o dia 09 de dezembro de 2022, desde o dia seguinte à derrota nas eleições presidenciais, o então presidente da República não tinha realizado nenhuma aparição em público, nem pronunciamento, sendo, inclusive, cobrado por seus eleitores. No dia 09 de dezembro de 2022, na parte da tarde, JAIR BOLSONARO voltou a falar em público no Palácio da Alvorada. Conforme registrado nos autos, na ocasião, centenas de apoiadores se deslocaram até a residência oficial para ouvi-lo.
O discurso seguiu a narrativa da organização criminosa, no sentido de manter a esperança dos manifestantes de que o então Presidente, juntamente com as Forças Armadas iriam tomar uma atitude para reverter o resultado das eleições presidenciais, fato que efetivamente estava em curso naquele momento. JAIR BOLSONARO, em várias oportunidades em sua fala, vinculou uma ação a ser desencadeada pelos militares para atender aos anseios dos seus seguidores.
O então Presidente JAIR BOLSONARO quebrou seu silêncio para realçar, naquele momento, que era o chefe supremo das Forças Armadas, conforme assegurado pela Constituição Federal, garantindo a seus apoiadores que as Forças Armadas estavam unidas e deviam lealdade ao povo, respeito à Constituição, sendo o último obstáculo ao socialismo. Em seguida, JAIR BOLSONARO citou a dificuldade em tomar decisões que envolvem outros setores da sociedade e que, por isso, precisam ser trabalhadas”. Além disso, reforçou a narrativa do que teria acontecido no período eleitoral.
Em outro trecho, JAIR BOLSONARO reiterou a necessidade do apoio dos seus seguidores para “decidir para onde as Forças Armadas vão”. Ou seja, as manifestações deveriam continuar para pressionar integrantes das Forças Armadas a aderirem ao Golpe de Estado, que estava em curso. No final do discurso, JAIR BOLSONARO manteve a esperança dos manifestantes afirmando que “iriam vencer”.
Conforme descrito no presente relatório, a equipe investigativa logrou êxito em identificar detalhes do planejamento e, principalmente, mapear as ações clandestinas praticadas pelo grupo no âmbito da Operação Copa 2022.
O ato final do evento Copa 2022, ocorrido na data de 15 de dezembro de 2022, contou com a participação de pelo menos 06 (seis) pessoas, possivelmente, todos militares de Forças Especiais (Kids Pretos) e tinha a finalidade de prender/executar o ministro ALEXANDRE DE MORAES, conforme estabelecido no planejamento criado pelo general MARIO FERNANDES, denominado “Punhal verde amarelo”.
Como forma de dificultar o rastreamento das atividades ilícitas, os criminosos envolvidos nas ações, empregaram técnicas de anonimização, habilitando linhas de telefonia móvel em nome de terceiros sem qualquer relação com os fatos investigados, e, ainda, criaram um grupo denominado “copa 2022” no aplicativo de mensagens de troca de mensagens criptografadas SIGNAL. Reforçando os atos de supressão de provas e buscando assegurar eventual impunidade para as condutas praticadas, cada integrante do grupo recebeu um codinome associado a países (Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil, Japão e Gana).
Outrossim, enquanto as medidas para “neutralizar” o ministro ALEXANDRE DE MORAES estavam em andamento, o núcleo jurídico do grupo investigado finalizou o decreto que formalizaria a ruptura institucional, mediante a decretação de Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral e a instituição da Comissão de Regularidade Eleitoral para “apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral”. Conforme exposto, a consumação do golpe necessitaria de um elemento fundamental, o apoio do braço armado do Estado, em especial a força terrestre, o Exército. As evidências descritas ao longo do presente relatório, demonstraram que o comandante da marinha, Almirante ALMIR GARNIER, e o ministro da Defesa, PAULO SÉRGIO, aderiram ao intento golpista.
No entanto, os comandantes FREIRE GOMES do Exército e BAPTISTA JUNIOR da Aeronáutica se posicionaram contrários a qualquer medida que causasse a abolição do Estado Democrático de Direito. Assim, a operação Copa 2022, na data de 15 de dezembro de 2022, enquanto já estava em andamento teve que ser abortada.
No entanto, apesar da frustração na tentativa de consumação do golpe de Estado no dia 15 de dezembro de 2022, os investigados continuaram a nutrir esperanças em uma reviravolta. Tal fato, alimentou, inclusive, a continuidade das diligências de monitoramento do ministro ALEXANDRE DE MORAES.
Paralelamente, em 19 de dezembro de 2022, o General MARIO FERNANDES ainda orientava as lideranças das manifestações antidemocráticas, solicitando que aguardassem e que mantivessem as mesmas ações, a mesma vontade e o mesmo ímpeto. Assim, os dados descritos corroboram todo o arcabouço probatório, demonstrando que o então presidente da República JAIR BOLSONARO efetivamente planejou, dirigiu e executou, de forma coordenada com os demais integrantes do grupo desde [pelo menos] o ano de 2019, atos concretos que objetivavam a abolição do Estado Democrático de Direito, com a sua permanência no cargo de Presidente da República Federativa do Brasil, fato que não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade, dentre as quais, destaca-se a resistência dos comandantes da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro BAPTISTA JUNIOR, e do Exército, General FREIRE GOMES e da maioria do Alto Comando que permaneceram fiéis à
defesa do Estado Democrático de Direito, não dando o suporte armado para que o então presidente da República consumasse o golpe de Estado.
Importante destacar ainda que, conforme detalhado no presente relatório, a expectativa entre os investigados de que um Golpe de Estado, apoiado pelos militares, ainda pudesse ocorrer perdurou já na vigência do novo governo, principalmente quando se desencadearam os atos golpistas do dia 08 de janeiro de 2023.
Na tarde do dia 08 de janeiro de 2023, MAURO CID começou a receber fotografias dos atos que ocorriam na Esplanada dos Ministérios enviadas por sua esposa, GABRIELA CID. Em resposta, MAURO CID afirmou que caso o Exército brasileiro saísse dos quarteis, seria para aderir ao Golpe de Estado. Diz: “Se o EB sair dos quarteis…e para aderir”.
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