Aliados de Lula tentam lacrar e perdem debate dos juros para o chefe do BC
A atuação de aliados do Planalto no Senado mostrou que o governo continua sem argumentos para travar o debate essencial com Campos Neto
Em fevereiro de 2020, o senador Cid Gomes, no meio de uma negociação com policiais amotinados, decidiu usar um trator para acabar com o movimento. Ao tomar a infeliz ideia de avançar contra os manifestantes, acabou baleado. Nesta terça, ele resolveu usar da mesma estridência para debater economia com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O banqueiro, dono de um mandato independente na instituição, cumpria seu dever de discutir com integrantes da CAE do Senado as questões do órgão que comanda.
Além de provocações já conhecidas pelo passado de Campos Neto no governo de Jair Bolsonaro, Gomes adicionou movimentos teatrais em sua fala. Levou um pequeno quadro negro para a comissão e, com um giz, ensaiou ensinar o caminho da queda de juros ao chefe do BC. Depois, sacou um boné do Santander e pediu que Campos Neto pedisse para sair e retornasse ao banco em que trabalhou por 18 anos. Eis o nível de seriedade da base ao tratar da questão.
Mais cordial, mas também fora do foco do debate travado na CAE, o líder do PT, Fabiano Contarato, perguntou a Campos Neto se ele sabia o preço do quilo do arroz: “Eu queria perguntar ao presidente do Banco Central se ele sabe quanto custa um quilo de arroz? Porque, com todo o respeito, nós temos que sair da Faria Lima e interagir com a população que mais precisa.”
Boa para produzir posts em redes sociais, a fala não avançou na questão central do debate travado pelo chefe do BC. A queda dos juros depende de gestos concretos do governo para controlar as contas públicas, conferindo credibilidade e previsibilidade à gestão, e não de lacrações políticas. Em meados de fevereiro, Lula já havia dado declaração semelhante, ao prometer levar “o cidadão que é presidente do BC para visitar os lugares mais miseráveis do país”.
A atuação de aliados do Planalto nesta terça mostrou que o governo continua sem argumentos para travar o debate essencial com Campos Neto. Aos senadores, ele explicou objetivamente que juro não se baixa no grito. “É muito importante a gente entender que não tem mágica no fiscal, infelizmente não tem bala de prata. Se a gente não tiver as contas em dia, se não tiver uma perspectiva, a gente não consegue melhorar”, afirmou.
O governo teria maior sucesso se fizesse o dever de casa e, depois, usasse os bons frutos do trabalho para cobrar ação de Campos Neto. O chefe do BC não discorda das reclamações dos governistas, mas diz algo objetivo: o cenário depende de ações concretas do governo para mudar, como o marco fiscal de Fernando Haddad, e ações que blindem os cofres públicos do ímpeto perdulário do petismo. É gritar menos e fazer o que tem de ser feito.