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Mamãe eu quero protestar

Esse Carnaval decididamente não vai ser igual aquele que passou. Vejo em reportagem na TV que estamos na era da folia politicamente correta

Por Mario Mendes Atualizado em 30 jul 2020, 21h02 - Publicado em 10 fev 2017, 14h54

Esse Carnaval decididamente não vai ser igual aquele que passou. Vejo em reportagem na TV que estamos na era da folia politicamente correta e o que já foi gaiatice popular agora é considerado material altamente ofensivo. Clássicos de outros carnavais são chamados de “marchinhas preconceituosas”, causam espécie entre os foliões socialmente conscientes e estão sujeitos à problematização e ao boicote. A moça que brinca em um bloco, dá um breque no samba e responde indignada ao ser interpelada pela repórter: “Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é O QUÊ?”. Outra garota confessa se sentir incomodada e desanimada quando, no meio da animação, a banda toca e o povo canta O Teu Cabelo Não Nega. Enquanto o líder de ode um bloco afirma, fazendo cara de conteúdo, que só mesmo um homem branco para se sentir à vontade com o verso “Mas como a cor não pega, mulata”. Não é preciso dizer que Maria Sapatão está barrada no baile, apesar de  “é um barato é um sucesso dentro de fora do Brasil”. Não pode. Senhor juiz, pare agora.

Seria cômico se não fosse bobo. Nem vale a pena argumentar que a marchinha de Lamartine Babo é uma ode à beleza nacional, no caso a mulata, e segue: “Quem te inventou, meu pancadão/Teve uma consagração/A lua te invejando faz careta/Porque, mulata, tu não és deste planeta”. Diriam que o compositor era tão machista e racista que reduziu a mulher negra à condição de alienígena. Aliás, não se sabe mais quem foi Lamartine Babo.

Bobagem pensar que a problematização politicamente correta não chegaria às marchinhas carnavalescas – ingênuas, brejeiras e brincalhonas – quando até os contos de fadas hoje são vistos como nocivos e instrumentos de opressão – circula a versão de que o beijo do príncipe na Bela Adormecida na verdade seria um estupro. Também a ironia é considerada suspeita de ser agente do mal e humor deve ser encarado com cuidado para ser dirigido ao opressor, nunca ao oprimido. Se engraçado ou não é mero detalhe.

Durante a ditadura, quando humor era visto como ameaça à moral e aos bons costumes, humoristas evitavam a política, por causa da censura, mas quando podiam deitavam e rolavam sobre o papo cabeça dos intelectuais. Foi assim que apareceu, em um programa da Globo, a “novela cultura”, 12 Raiz Quadrada de 144 – o significado da palavra “ditirambo” era um dos mistérios da trama – e também o esquete que dissecava a canção Nana Neném como terrível instrumento de opressão infantil – “a Cuca vem pegar” – e negligência paterna – “papai foi pra roça, mamãe no cafezal”. Não duvido que hoje muita gente levaria isso a sério. E tome textão nas redes sociais.

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Com certeza, na folia 2017 devem surgir marchinhas de protesto, com conteúdo diversificador contemplando o lugar de fala das minorias em uma disrupção que possibilite a ressignificação o gênero. Aguardo ansiosamente.

Difícil vai ser, depois da terceira dose, discordar do fato que a mulata ainda é a tal.

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