Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Imagem Blog

#ProntoFalei

Por Mario Mendes Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Continua após publicidade

Laerte quae sera tamen

Semana do Orgulho LGBTQ, aproveito para dar uma olhada no documentário Laerte-se. O resultado é mais simpático do que eu esperava.

Por Mario Mendes Atualizado em 30 jul 2020, 20h51 - Publicado em 16 jun 2017, 19h18

Semana do Orgulho LGBTQ (essa sigla onde sempre cabe mais uma letra, inclusive o S dos Simpatizantes e o A, das Antipáticas), aproveito para dar uma olhada em Laerte-se, documentário dirigido por Lygia Barbosa da Silva e pela musa progressista do textão, Eliane Brum, primeira produção nacional do gênero com o selo Netflix. Às vezes é bom, às vezes é Eliane Brum e, na maior parte do tempo, é Laerte. Menos mal.

Como todos sabem, trata-se de um mergulho em filme no dia a dia da cartunista Laerte Coutinho – que até 2009 era “o” cartunista Laerte Coutinho – mostrando sua relação com a  família (pai, mãe, irmã, filhos e netos), com o em torno do bairro onde vive em São Paulo, com o status de celebridade instantânea adquirido nos últimos tempos e, principalmente, os questionamentos e dúvidas existenciais a partir da mudança de identidade de gênero, iniciada quando ele tinha 58 anos. Tudo intercalado com os desenhos, charges e tirinhas que fizeram a fama do profissional ao longo de quatro décadas.

O resultado é mais simpático do que eu esperava, sobretudo porque Laerte procura não se levar tão a sério como pretendem as realizadoras – afinal, sua ferramenta de trabalho é o humor. A troca inicial de e-mails entre a cartunista, que quer adiar o encontro com a equipe de filmagem, e a jornalista Eliane, que utiliza uma tirada filosófica pra convence-la a iniciar as gravações, estabelece o tom reverente do documentário: é preciso deixar claro, de saída, que algo de muito importante será dito a longo de 100 minutos.

Laerte está reformando o sobrado onde vive, declara-se ansiosa e desconfortável com a presença da equipe mas, aos poucos, relaxa. Fala da bagunça “provisória permanente” da casa, toma banho (Sinceridade? Não merecíamos essa sequência), escolhe figurino e acessórios para sair, observa como é difícil se maquiar no verão. Diverte-se com o netinho (para quem é “vovô”), visita o filho – momento de agradável descontração e cumplicidade – brinca com os gatos, conversa com vizinhos, participa de um ensaio fotográfico nu, vai à uma manifestação na Paulista onde é tietada pelos fãs, encontra-se com Rita Lee, que a aconselha a não colocar seios porque incomodam muito – lembrei do travesti Agrado, em Tudo Sobre Minha Mãe, de Almodóvar: “Era caminhoneiro, em Paris, antes de colocar peitos”.

A densidade se apresenta quando a jornalista Eliane – pairando como nobreza convidada – indaga Laerte sobre o corpo e as imposições físicas que embolam o meio de campo na transição de homem para mulher. A cartunista tira de letra, com sinceridade, sem ditar regras ou deitar falação politicamente correta. Assume considerar tão aterrorizante a homossexualidade descoberta na adolescência que o levou diretamente ao desejo de se tornar mulher, fala com todas as letras do caráter fascista de certa militância do movimento trans, confessa ter cometido atos homofóbicos na juventude e encurrala a entrevistadora: “Sinto que estou me repetindo”. Os familiarizados com a escrita prolixa da jornalista entendem o que Laerte está falando.

Continua após a publicidade

Interessante é a cartunista fazer um paralelo entre sua vontade de implantar seios, como uma marca da transição, com o personagem do filme Um Homem Chamado Cavalo (1970), um aristocrata inglês que em  1825, viajando pelos Estados Unidos, é capturado por uma tribo pele vermelha. Ele acaba se tornando líder da tribo, mas antes enfrenta um doloroso rito de iniciação que lhe deixa cicatrizes no corpo – é pendurado por dois ganchos presos em seu peito.

Ao final, o retrato que fica de Laerte é de uma senhora já passada da meia idade e profissionalmente resolvida – ela classifica o traço de seu desenho como “imaturo” – que não abandonou o desleixo masculino e ainda não domina a leveza e as sutilezas do universo feminino. Enquanto isso, procura se entender com o passado e traçar planos para o futuro. Ou seja, uma pessoa comum. Como todos nós, nem mais nem menos.

“Estou velha e estou feliz”, diz em certo momento se olhando no espelho. Demasiado humana. 

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.