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Dia da mentira ou dia da marmota?

Nesse 1º de abril muita gente vai lembrar do que estava fazendo quando foi anunciado o golpe de estado brasileiro em 1964.

Por Mario Mendes Atualizado em 30 jul 2020, 20h58 - Publicado em 1 abr 2017, 15h20

Vendo essa semana Terra Dois, nova atração da TV Cultura, a certa altura um dos atores do esquete apresentado para discutir o tema da semana – o programa é trabalhado no psicodrama e na problematização – pergunta ao outro, em tom de censura, se ele se lembrava o que estava fazendo no 11 de Setembro. Afinal, essas efemérides traumáticas ficam marcadas como tatuagens e colocam em perspectiva nossas existências comuns diante de um acontecimento maior.

Isso me vem à mente porque nesse 1º de abril muita gente vai lembrar do que estava fazendo quando foi anunciado o golpe de estado brasileiro em 1964. Somos gente acima dos 50 anos e muitos de nós, os mais jovens, não fazia ideia do que estava acontecendo. Eu, por exemplo, era muito criança e não registrei a data, mas lembro muito bem da maior parte dos 21 anos seguintes.

Era um Brasil conservador e muito provinciano, com alta visibilidade de uniformes das Forças Armadas por toda parte. A propaganda oficial era constante no rádio e na TV, cantando direitos e deveres dos cidadãos e celebrando os feitos do novo regime. “Esse é um país que vai pra frente”, “Brasil, ame-o ou deixe-o” – “e o último que sair apaga a luz”, apressaram-se em emendar – “Povo limpo é povo desenvolvido”. Exalta-se a rodovia Transamazônica, o BNH (Banco Nacional de Habitação) e o Mobral (alfabetização para adultos). E quando a gente ia ao cinema, havia propaganda do governo nos boletins technicoloridos, e ridículos, do Jean Manzon e do Primo Carbonari.

O estrago da ditadura ficou mais evidente para a minha geração depois do tricampeonato de futebol na Copa do México 70 – 4 X 1 na final sobre a Itália – quando, apesar da repressão tenebrosa e da censura aos meios de comunicação, não era mais segredo para ninguém que havia perseguição, prisão, tortura e morte. Cantar o Hino Nacional todos os dias no colégio era obrigatório, assim como as aborrecidas aulas de Educação Moral e Cívica. Ouvíamos falar de filmes que, diziam, nunca poderíamos ver: A Laranja Mecânica, O Último Tango em ParisEmmanuelle – o que não impediu a estrela desse último, a holandesa Sylvia Kristel, de visitar Brasília e deixar os políticos babando. Enfim, era uma tristeza e um atraso.

Daí começaram a falar em Abertura – ampla, geral e irrestrita – aconteceu a anistia aos presos políticos – com “a volta do irmão do Henfil” – e teve início o movimento Diretas Já. Batemos no peito, entoamos o hino, dessa vez com vontade, e ocupamos todas as praças possíveis – o comício na Praça da Sé foi inesquecível. Mas não rolou. Elegeram Tancredo e aguardamos saudar, finalmente, o primeiro presidente civil em anos. Mas ele morreu antes de tomar posse, embarcamos na era Sarney e o resto, como diz o surrado clichê, é história. Uma decepção atrás da outra. Acredito mesmo que nos acostumamos a dar com os burros n’água na hora H.

Hoje ouvi alguém comentar que a data do golpe de 1964 devia ser lembrada com a devida seriedade, um momento de reflexão para evitar que o trauma se repita. E sem essa de Dia da Mentira para não reduzir tudo à chanchada nacional. Estamos mais para Dia da Marmota, aquela velha situação que não acaba nunca.

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