IA e religião: como a tecnologia pode mudar a conexão com os céus
Robôs humanoides, assistentes virtuais e sistemas que apontam lugares ideais para alcançar novos fieis viram parte do cotidiano das igrejas

Quando precisam tomar decisões estratégicas como escolher locais para inaugurar novas escolas ou templos, as lideranças sul-americanas da Igreja Adventista do Sétimo Dia podem contar com algo além da inspiração divina: sistemas inteligentes capazes de mapear regiões com maior necessidade de suporte espiritual, bem como tendências de adesão ou evasão de fieis. Nem toda decisão se baseia nos desígnios maquínicos, mas também não haveria qualquer demérito nessa escolha informada pelo Big Data. Até porque religião e tecnologia andam juntas há pelo menos 500 anos — talvez mais, se considerarmos a escrita como uma modalidade tecnológica.
No próximo dia 1º, a instituição dá um passo extra nessa conexão entre inovação e tradição com o lançamento da IA Adventista. Trata-se de uma ferramenta para interação on-line em que os pastores poderão criar esboços de seus sermões e na qual fieis poderão tirar dúvidas sobre assuntos de fé. A igreja mantém em Hortolândia, no interior paulista, o Instituto Adventista de Tecnologia (IATec), em que desenvolvedores criaram dashboards interativos que fornecem insights gerenciais em tempo real para áreas como educação, finanças e recursos humanos da instituição. Esses ficam restritos à administração, naturalmente. Mas foi também nesse polo que nasceu a Gen AI deles.
E o verbo se fez máquina…
A IA Adventista passa a integrar um ecossistema de comunicação que já conta, desde 2017, com um chatbot chamado Esperança. É usado para estudo bíblico atualmente por mais de 40 mil pessoas, via WhatsApp. Há iniciativas similares como a lançada pela Assembleia de Deus em São José dos Campos, São Paulo, conhecida como “Léia: a assistente virtual da Bléia”. E a ideia não fica restrita a religiões cristãs, como mostram o muçulmano QuranGPT, da Índia, bem como equivalentes budistas na China, na Tailândia e no Japão. Não encontrei, na minha apuração, agentes de IA utilizados em religiões de matriz africana. Cheguei a consultar a IA Perplexity, que também não encontrou. Será que é um possível nicho? Caso apareça algo, posso voltar ao tema em textos futuros.

Um popstar das máquinas religiosas fica no Japão. É o Mindar, robô humanoide inspirado em monges do templo budista Kodai-ji, em Kyoto. Ele tem 1,95 metro de altura, corpo de alumínio, rosto de silicone, move os braços, o tronco e a cabeça enquanto recita textos religiosos em três idiomas. Longe de mim estimular rivalidade entre robôs, mas podemos dizer que o concorrente dele é o católico robô SanTO, sigla para Sanctified Theomorphic Operator. Com formato de uma estátua de santo em estilo neoclássico, é ativado quando alguém toca suas mãos ou inicia uma conversa por voz.
E, se no Evangelho de João, a Bíblia diz que “o verbo se fez carne e habitou entre nós”, na era da inteligência artificial podemos perceber que ele se fez máquina. Em Lucerna, na Suíça, um experimento colocou um Jesus IA no confessionário de uma capela católica durante dois meses. Os visitantes podiam trocar ideia com ele sobre fé, moralidade e mesmo questões polêmicas relacionadas ao cristianismo.
Tecnologia e religião: uma conexão de longa data
Existe uma longa relação entre o crescimento das religiões e as diferentes inovações tecnológicas. A invenção da imprensa por Gutenberg, no século XV, teve conexão direta com o surgimento do protestantismo, por exemplo. Do mesmo modo, incontáveis denominações fizeram uso de rádios, emissoras de televisão e outras mídias para se manter presentes na vida de seus membros — e de arrebanhar mais ovelhas.
Nem por isso, a inserção de IA é unanimidade. Há questionamentos sobre a frieza de interações via chatbot, terceirização de tarefas até hoje executadas por humanos e mesmo quanto a vieses algorítmicos. O católico Jesus IA da Suíça dividiu opiniões, e teve gente que achou blasfêmia. O Papa Francisco, embora não tenha se referido especificamente a esse episódio, sempre menciona o potencial benéfico da tecnologia, e mantém o frei franciscano Paolo Benanti como conselheiro para questões ligadas à ética da inteligência artificial. Mas é aquilo: se nem Cristo agradou a todos, como ensina o dito popular, não é a inteligência artificial que fará isso. Pelo menos por enquanto.