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Pé na estrada

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Viagens de carro para quem ama o caminho tanto quanto o destino
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Ótimas na estrada e inviáveis na cidade: a experiência com picapes grandes

Segmento muito popular nos Estados Unidos passou a ganhar tração no Brasil com a chegada de modelos icônicos e conquista público do agronegócio

Por André Sollitto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 Maio 2024, 08h36 - Publicado em 16 out 2023, 12h00

Saindo de Belo Horizonte, o caminho mais rápido para a região de Casa Branca, no município vizinho de Brumadinho, passa pelo Parque Estadual da Serra do Rola Moça. O nome curioso tem explicação. Diz a lenda, contada pelo poeta Mário de Andrade (1893-1945), que um casal de noivos voltavam para casa após a cerimônia. Felizes, riam durante todo o caminho. Até que o cavalo da moça pisou em falso e caiu rumo ao desfiladeiro. O noivo, desesperado, disparou atrás. A mistura de beleza e drama dá uma ideia da experiência que percorre sua íngreme estrada. De um lado, a encosta. Do outro, um precipício sem nenhuma proteção. Os carros passam rapidamente, fazendo as curvas fechadas em velocidade, e em alguns pontos é impossível ver o veículo que se aproxima na outra direção. Dirigir por lá requer atenção, e é fácil perder a vista estonteante, com o belo relevo da região delineado ao fundo. Em um carro com seis metros de comprimento e mais de dois de largura, tamanho de uma picape full size, pode parecer uma tarefa ainda mais desafiadora. Mas depois de passar por essa experiência com segurança, dá para entender o apelo que a categoria desperta há tempos nos americanos e que agora cativou o público brasileiro. Para esses carros, quase nenhum caminho é impossível. 

Lá nos Estados Unidos, esses veículos grandalhões dominam o mercado, junto com os SUVs. Há uma enorme variedade de modelos, de diferentes montadoras, desde versões mais básicas, voltadas para o trabalho pesado, capazes de rebocar cargas enormes, até alternativas luxuosas, com muita tecnologia embarcada e acabamento caprichado. Por aqui, no entanto, o mercado de picapes era repleto de versões médias, como a Toyota Hilux. Entre as grandes, havia só os modelos da Ram, como 1500, 2500 e 3500, por preços a partir de R$ 469.990. O interesse dos consumidores ligados ao agronegócio, no entanto, aqueceu o setor, e outras empresas começaram a ficar de olho. A Ford trouxe, então, a icônica F-150, veículo mais vendido do país há 46 anos. Ao contrário da quantidade de versões, aqui, no Brasil, só chegaram as versões topo de linha Lariat (R$ 479.900) e Platinum (519.900). Apesar do preço alto, as vendas foram um sucesso. As primeiras 250 unidades foram vendidas em uma hora para clientes da marca. As restantes esgotaram em 9 minutos após a abertura das vendas para o público geral. Em seguida, foi a vez da Chevrolet trazer a famosa Silverado, também na versão topo de linha High Country (R$ 519.990). As 500 unidades da pré-venda foram vendidas em uma hora e meia.

A estrada da Serra do Rola Moça, em Minas Gerais, com suas vias sinuosas -
A estrada da Serra do Rola Moça, em Minas Gerais, com suas vias sinuosas – (Eduardoafo/Wikimedia Commons/Reprodução)

Essas picapes foram projetadas para o mercado americano. Mas como elas se comportam nas nossas estradas e cidades? São viáveis aqui como são nos Estados Unidos? Rodamos mais de 1.500 quilômetros durante quatro dias a bordo da F-150 para compreender seu apelo. Em quase 30 horas ao volante, foi possível entender tudo o que esses modelos oferecem de positivo, bem como entender suas limitações.

Saímos de São Paulo com destino a Brumadinho, em Minas Gerais, em um longo trajeto que passou pelas estradas que cortam cidades como Contagem, Betim e Belo Horizonte. Foram cerca de oito horas, boa parte delas na rodovia Fernão Dias, que oferece tanto trechos mais sinuosos quanto opções de desenvolver maior velocidade em retas. E a picape não decepciona. Sob o capô a F-150 tem o mesmo motor V8 5,0 litros do lendário Mustang, que entrega 405 cavalos de potência e 56,6 kgfm de torque. Ou seja, basta pisar no acelerador para ela disparar, apesar de suas 2,5 toneladas. As retomadas são feitas com facilidade, e é fácil fazer ultrapassagens. Mais do que performance, ela entrega conforto. Os quilômetros e horas passam facilmente, e é fácil esquecer seu tamanho, já que a direção é leve e responsiva. 

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A vida a bordo também é extremamente confortável. A cabine é gigante, e o teto solar panorâmico amplia ainda mais essa sensação. Há espaço de sobra tanto na frente quanto na segunda fileira, onde três passageiros viajam com tranquilidade. O porta-objetos sob o apoio de braços é enorme, e comporta uma bolsa ou mochila menor. Porta-copos e vários porta-objetos nas portas permitem levar bastante coisa. O apoio de braço pode inclusive se transformar em uma mesa de trabalho: basta recolher a alavanca de câmbio ao toque de um botão. 

Além de performance e conforto, o rendimento surpreende. Em velocidade constante, sem acelerações e frenagens drásticas, e sem trânsito, fizemos quase 10 (ou melhor, 9,8) quilômetros por litro de gasolina. O enorme tanque, de 132 litros, facilita o deslocamento em longas distâncias. Mas enchê-lo é caro. Para ter ideia, considerando o preço médio de R$ 5,82 por litro do combustível no Brasil, são necessários R$ 768 para completar sua capacidade. Segundo a Ford, o tanque maior é uma modificação feita para o mercado brasileiro, já que muitos consumidores querem se deslocar por fazendas e áreas sem postos de combustíveis sem o risco de ficarem parados.

A obra
A obra “De Lama Lâmina”, de Matthew Barney, parte da exposição permanente do Inhotim – (André Sollitto/VEJA)
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O objetivo principal da viagem era visitar Inhotim, o enorme museu a céu aberto localizado em Brumadinho, a cerca de uma hora de Belo Horizonte. É uma viagem longa para quem sai de São Paulo, mas vale cada hora gasta atrás do volante. Além das obras permanentes em exposição, há novidades, como uma galeria dedicada a duas obras da artista japonesa Yayoi Kusama, e exposições temporárias. O ideal é separar ao menos dois dias para conseguir ver tudo, entre obras e atrações botânicas. O valor inteiro do ingresso é R$ 50, e vale a pena gastar mais R$ 35 para pegar carona nos carrinhos elétricos que circulam em rotas determinadas. 

Mas quem visita a região deve aproveitar para passar por Belo Horizonte, fazer compras no Mercado Central da cidade e visitar alguns de seus restaurantes. Há uma cena gastronômica moderna e repleta de opções que mesclam tradição e inovação. Mas andar pelas movimentadas ruas com a F-150 é um transtorno. O tamanho, obviamente, prejudica a tarefa de achar vagas, tanto em estacionamentos quanto nas ruas mesmo. Ela ocupa praticamente o espaço de dois carros, e sua altura atrapalha a entrada em muitos estacionamentos. Quando finalmente encontramos um disponível, nem mesmo o manobrista topou encarar a tarefa de encaixá-la nas vagas. Ela tem um alerta de ponto cego nos retrovisores que funciona muito bem na estrada, mas no meio do trânsito fica quase permanentemente ligado, e é preciso cuidado redobrado com motos, dada a altura dos retrovisores. A posição de dirigir, mais elevada, permite uma visão mais completa do trânsito à frente, o que ajuda, mas não é suficiente para tornar a vida mais fácil.

Trata-se de um problema comum a todas as picapes do gênero. A Ram 1500 Limited, por exemplo, tem 5,9 metros de comprimento, 2,08 m de largura e 1,92 m de altura. A Ram 3500 é ainda maior, com 6,07 metros de comprimento, 2,12 m de largura, 2,04 de altura e 3,5 toneladas, além da exigência de habilitação C para dirigi-la. A Chevrolet Silverado High Country, versão que chega ao país, tem 5,89 metros de comprimento. São veículos que trafegam bem pelas espaçosas rodovias americanas e acham vagas com maior facilidade em estacionamentos feitos para carros desse porte. Aqui, a situação é outra.

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Espaço interno da cabine é tão generoso que o câmbio pode ser recolhido e o apoio de braço se transforma em mesa de trabalho -
Espaço interno da cabine é tão generoso que o câmbio pode ser recolhido e o apoio de braço se transforma em mesa de trabalho – (Ford/Divulgação)

Além de Inhotim e de Belo Horizonte, a região tem uma boa variedade de pousadas, hotéis e casas para aluguel. Dá para ficar perto do museu, mas a hospedagem é mais cara. Se optar por ficar em locais como Casa Branca, também em Brumadinho, há opções simpáticas e acessíveis, em contato mais próximo com a natureza. Em muitos casos, é preciso passar por estradas menores e trechos de terra. Nada disso é um problema. A F-150 tem diferentes modos de condução, que podem ser ativados com um botão. Cada um ativa a tração nas quatro rodas da maneira mais eficiente, e o próprio visual do painel de instrumentos muda de cor. Assim, fica claro qual modo foi selecionado. Em Terra, trechos mais acidentados são encarados com facilidade. No modo esportivo, ela dispara, mas a um custo alto de combustível. Há outro específico para rebocar grandes pesos, e outro dedicado ao avanço lento em terrenos muito acidentados. Um dos mais interessantes é feito para pisos escorregadios. No retorno para São Paulo, pegamos quase oito horas de chuva ininterrupta, e percebemos que no modo normal de condução a F-150 sofre com ventos laterais mais fortes e com poças de água mais profundas. Com o modo Escorregadio ativado, a diferença de estabilidade e aderência é muito perceptível. Em conjunto com o sistema de frenagem de emergência e assistente de permanência em faixa com correção do volante, há uma percepção de segurança muito grande.

Essas picapes foram pensadas para estradas e ambientes sem trânsito. São confortáveis e espaçosas, com consumo melhor que alguns SUVs compactos que enchem as ruas das grandes cidades. Têm muita tecnologia embarcada e são seguras de dirigir, além de agradáveis em viagens de longa distância, de dia ou de noite. A F-150, por exemplo, tem faróis direcionais, que acompanham o movimento do volante, e um sistema que ativa a luz alta se não há veículos na frente ou na direção contrária, e automaticamente reduz o facho quando percebe outros condutores. Navegar por estradas rurais, sem iluminação elétrica, é muito fácil e divertido. Além disso, por serem ainda raras por aqui, chamam muita atenção. No trânsito, nas estradas ou nas cidades é difícil não reparar na quantidade de cabeças que ficam acompanhando o carro. E, sem dúvida, há um elemento exibicionista desejado por quem compra uma delas aqui no Brasil. No interior e em áreas dominadas pelo agronegócio, são sinônimo de sucesso. Não dá pra negar que quem puder comprar uma dessas e não tiver problema de espaço vai curtir as horas passadas nas estradas ainda mais. 

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