A condenação de Lula é boa. Mas não é o suficiente para salvar os brasileiros
A prisão de Lula diminui a sensação de impunidade. Mas não resolve toda a podridão da nossa política
Não comemoro a prisão nem a morte de pessoas. Posso até achar que a remoção de fulano do cenário causa efeitos positivos (alguém vai negar que a queda de Mussolini foi algo bom?), mas a coisa em si — comemorar a morte, o sofrimento, a prisão, a tortura — não me atrai. Não vou censurar quem comemora, mas não é a minha.
Isso posto, a condenação de um ex-presidente tem diversos aspectos positivos e negativos. De negativo, antes de tudo o óbvio: somos governados por gângsters. O uso da justiça penal para lidar com as ações de um ex-presidente indica, no mínimo, uma grande podridão na nossa política.
Outro aspecto negativo: a criação de mártires. O discurso político petista está buscando incessantemente a imagem de que é “perseguido” e “rebelde”, mesmo que continue agindo como sempre.
A condenação de Lula é ótima — assim como o impeachment de Dilma foi, aliás — para alimentar essa noção, para reforçar a imagem “mítica” do ex-presidente. Isso costuma dar problema — independentemente de gostar do sujeito ou não, o peso de figuras mágicas intocáveis do tipo costuma enlouquecer o cenário político. É só olhar para o lado e ver o exemplo do peronismo, que é uma praga absurda e perene na Argentina.
Antes de tudo, a decisão de Sergio Moro tem como aspecto positivo o combate à sensação de impunidade. Se até o ex-presidente mais popular da história do país, um dos políticos mais poderosos e influentes por aqui, pode ser condenado, isso é ao menos um indício de que a Justiça está tocando também o andar de cima. Os alvos clássicos continuam sendo os pobres, mas há algum esforço no sentido contrário.
A minha parte positiva preferida é carregada de cinismo: o descrédito da política partidária. Contrariando alguns profetas que enxergam fascismo na descrença em relação ao sistema político, prefiro olhar para o lado bom: o ridículo de ver um poderoso político preso de maneira patética pode, em alguma instância ajudar a desiludir mais gente.
E quanto menos gente confiar na máfia violenta que é a simbiose entre Estado e grandes corporações, menor o poder do feitiço hipnótico deles. Mais abertura para buscar emancipação.
O maior efeito, porém, não é nem positivo nem negativo. Para a grande maioria do país, a vida vai continuar mais ou menos igual amanhã.
Os defensores do PT que declaram iniciado um Estado de exceção e dizem que acabou a democracia no país ignoram que esse Estado de exceção já existe há muito tempo para todo pobre. Para os padrões brasileiros, Lula teve direito a uma defesa que um Rafael Braga, preso por portar água sanitária e Pinho Sol durante uma manifestação, jamais sonharia.
Os críticos de Lula que acham que essa prisão inaugura uma nova era de honestidade e paz são ingênuos ou desonestos. Em um cenário no qual virtualmente toda liderança política conhecida é suja e no qual a organização mais basal do país fomenta e incentiva o autoritarismo e a corrupção, como a prisão de um líder só mudaria tanta coisa?
Lula é um político como foram outros. Popular, esperto, corrupto, interessado em conseguir poder. Fez alguma diferença, mas não só não é um messias como também é grande e complexa e ingovernável demais essa multidão chamada Brasil para que um homem só a controle tanto assim.
A prisão de um homem com sonhos de controle não é o suficiente para salvar nem condenar a todos nós. Convém desconfiar das ideologias de adoração ao poder que condicionam nosso destino e vida e morte à maré que carrega qualquer Grande Líder. A vida felizmente se rebela e é muito mais que isso.