O último suspiro de um dos grandes milagres de longevidade do rock’n’roll
Uma das maiores bandas da história voltou a cair na estrada

Turnês de velhos roqueiros sempre têm o risco de virar um espetáculo deprimente. A receita é fisgar fãs nostálgicos com um repertório antigo e consagrado. Para a maioria do público, pouco importa a qualidade daquilo que se vê no palco. É o chamado jogo-ganho para as bandas. Nesse contexto, uma exceção é o AC/DC, que está na estrada com a Power Up Tour (ainda sem previsão de chegar ao Brasil, infelizmente). Mesmo com várias e dramáticas baixas, a banda fundada na Austrália no início dos anos 70 por dois irmãos escoceses segue em frente, enchendo estádios e mostrando que é possível detonar uma grande quantidade de energia no palco. Provavelmente, são os últimos suspiros da turma, mas é um final digno e sem cheiro algum de farsa.
Da banda original, o único a ainda a empunhar a bandeira do AC/DC é Angus Young, de 70 anos, guitar-heroe exemplar e peculiar. Os longos cabelos ficaram brancos, mas ele segue no palco com o look tradicional, o uniforme de escola. Ele já não tem a mesma disposição de se mover no palco como se fosse um Chuck Berry ligado numa tomada de 220 volts, mas continua carismático e segue dando seu show. Angus iniciou a banda com o irmão Malcolm. Líder e compositor do grupo, Malcolm Young, um gênio da guitarra rítmica, morreu em 2017. Ele já havia se afastado da música anos antes, em decorrência da doença de demência.
Outro grande pilar da formação atual do AC/DC é o vocalista Brian Johnson, de 77 anos. Ele entrou para a banda em 1980, substituindo o cantor original Bon Scott, encontrado morto depois de uma noitada de bebedeira e drogas. Logo na estreia, Brian gravou com o AC/DC um dos maiores clássicos da banda, o álbum Back in Black. Além da faixa-título, músicas do disco como You Shook Me All Night Long são presenças obrigatórias até hoje no repertório dos shows. Brian chegou a se afastar do grupo durante um tempo, ameaçado de perder de vez a audição. Ele só voltou aos palcos graças a um tratamento experimental que envolveu a criação de um tipo de fone de ouvido capaz de proteger seus tímpanos, evitando assim o risco de surdez. Confira aqui um trecho de vídeo das recentes apresentações:
Mesmo longe de suas melhores formas, Angus e Brian seguem eletrizando plateias nos Estados Unidos durante a turnê atual. Ao longo das décadas, a fórmula do AC/DC sempre foi a mesma: rock ao estilo boogie-woogie em rotação acelerada, entremeado por solos nervosos de Angus, sem frescuras e concessões. Para se ter uma ideia, Malcolm contava que a única música capaz de envergonhar a banda foi uma tentativa de balada, feita nos primórdios do AC/DC e nunca incluída nos álbuns oficiais. Aos que cobravam o grupo de fazer sempre um álbum parecido do outro, Angus respondeu, certa vez, com ironia: “Estou farto de falar sobre como lançamos 11 álbuns idênticos. Na verdade, lançamos 12 álbuns completamente idênticos”.
Segundo os críticos mais ácidos, o AC/DC soa hoje como um bando liderado por septuagenários tentando garantir mais alguns trocados para a aposentadoria. Quem acompanha os shows, no entanto, certamente está curtindo sensações diferentes e não os enxerga como um grupo de idosos tentando fingir no palco que ainda são jovens. Mesmo que alquebrados pelo peso da idade, eles seguem carregando a chama de uma tradição de som pauleira clássico e certeiro. Por isso, ao vivo, representam o último suspiro de um dos grandes milagres de longevidade do rock’n’roll.