Nem recorde de Beyoncé ameniza histórico racista do Grammy
Cantora se tornou a artista com mais vitórias no prêmio — mas apenas em categorias secundárias; já o cobiçado troféu de álbum do ano foi para Harry Styles
Quando a cerimônia do Grammy começou, na noite deste domingo, 5, a sensação era de que tudo ali era sobre um nome: Beyoncé. Com nove nomeações, a cantora era a mais indicada da noite, e precisava de apenas quatro vitórias para ultrapassar Georgi Solti e se transformar na artista com o maior número de vitórias da história da premiação. O feito incontestável aconteceu, mas a noite teve um final agridoce — apesar de levar quatro das nove estatuetas que concorria, o disco Renaissance perdeu o prêmio álbum do ano, categoria mais importante da noite, para o Harry’s House, do inglês Harry Styles, amargando a quarta derrota da cantora na categoria. Beyoncé, a pessoa que mais ganhou prêmios no Grammy, nunca foi aclamada com a honraria máxima da premiação, o que reviveu discussões sobre racismo e o apagamento de cantores negros das categorias principais.
Em seu discurso de agradecimento, Styles ainda declarou que levar o prêmio não costuma acontecer com muita frequência para “pessoas como ele”. Enquanto isso, das 32 estatuetas empossadas por Beyoncé, apenas uma delas, a de música do ano por Formation, foi conquistada entre as quatro categorias principais do Grammy: são elas artista revelação e música, gravação e álbum do ano. As demais estão divididas em categorias secundárias, a maior parte delas em R&B ou rap. Nesta edição, aliás, além de álbum do ano, ela concorria também à música e gravação do ano, com Break My Soul, mas perdeu ambas . Saiu vitoriosa, novamente, em categorias secundárias, como melhor gravação dançante, melhor música de R&B, melhor performance vocal e R&B e álbum de eletrônica/dançante. A situação, é claro, incomodou os fãs, mas também uma parcela de críticos à premiação que vêm apontando racismo nas categorias principais — este ano, Lizzo e Samara Joy, duas mulheres negras, levaram gravação do ano e revelação, duas das quatro categorias principais. Porém, o problema é mais antigo.
Quando as indicações da edição de 2021 foram anunciadas, o canadense The Weeknd, autor do bem sucedido After Hours e dono do hit Blinding Lights, a música com mais reproduções no streaming em 2020, usou as redes sociais para acusar a premiação de corrupção. Apesar do sucesso, o cantor não recebeu sequer uma indicação, e anunciou que não submeteria mais seus trabalhos para o prêmio pela falta de transparência dos “comitês secretos” — de 1995 até a última edição, os 20 mais votados nas quatro categorias principais passavam pelo crivo de um comitê reduzido, que escolhia a lista final a bel-prazer, dando espaço a favoritismos. Depois da denúncia, a organização suspendeu os comitês para os próximos anos, mas o cantor não voltou atrás no boicote.
Além dele, artistas como o rapper Frank Ocean e Drake já deixaram de submeter os trabalhos ao Grammy por não concordarem com as políticas da Academia fonográfica — Drake discordou da indicação de seu hit Hotline Bling para a categoria de rap em 2016. “A única categoria que eles conseguem me encaixar é no rap. Talvez porque eu tenha feito rap no passado ou porque eu sou negro. Minhas músicas são pop, mas eu nunca ganho crédito por isso”, declarou na época.
Demitida em 2020, a ex-presidente da Academia responsável pelo Grammy, Deborah Dugan, colocou a boca no trombone em entrevista à CNN: “Em vez de tentar reformar uma instituição corrupta, vou trabalhar para responsabilizar aqueles que continuam manchando o processo de votação do Grammy e discriminando mulheres e negros”, disparou ela, dando ainda mais munição para o descrédito da premiação.