Nasi sobre polêmica do ‘sem anistia’: ‘Querem fazer brasileiro de idiota’
Cantor do Ira! conversou com a reportagem de VEJA sobre vaias e cancelamentos de seus shows; assista ao vídeo
Vaiada por algumas pessoas durante um show em Contagem, MG, em 29 de março, a banda paulistana Ira! se viu nas últimas semanas no olho de uma discussão que envolve política, música e rock. Os gritos, que ocorreram após o vocalista Nasi gritar “Sem Anistia”, em referência ao projeto de lei que prevê anistia para as pessoas que participaram de uma manifestação golpista em Brasília em 8 de janeiro de 2023. Após perceber um pequeno grupo de pessoas apoiava aparentemente o ex-presidente Jair Bolsonaro, o cantor pediu que elas fossem embora. “Não apareça mais em shows e não compre discos”, ele disse.
O gesto repercutiu e a banda teve quatro shows cancelados, em Jaraguá do Sul e Blumenau, ambas em Santa Catarina, e Pelotas e Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, com a justificativa de que os fãs estavam devolvendo os ingressos. Por outro lado, em Porto Alegre, uma produtora não só manteve os shows e apoiou o Ira!, como debochou dos cancelamentos. Em entrevista a VEJA, feita em vídeo (assista acima), Nasi falou sobre os cancelamentos e também teorizou sobre o rock como ritmo contestador. “Não expulsei ninguém dos shows. Quero pedir desculpa se alguém do espectro conservador ou de direita se sentiu atingido. Não foi minha intenção, eu estava falando sobre extremismo. A vaia não foi para mim. O público que puxou o ‘Sem Anistia’ e eu ratifiquei. Dei meu apoio, porque eu penso assim também”, disse Nasi a VEJA.
O músico comentou também sobre que tipo de público ele deseja em seus shows. “Não seleciono ideologicamente meu público. Só que reaça, eu não quero. Eu tenho como impedir? Não. Tenho como desejar? Tenho. Afinal de contas, se alguém vai no show do Chico Buarque e do Gilberto Gil e quando eles cantarem Cálice, e alguém achar que ele está falando sobre um cálice de vinho, então por favor…”, disse.
Nasi também falou sobre a atual polarização política e criticou Bolsonaro, a quem chamou de “o inelegível”. “Nem todo mundo que votou no inelegível é reaça. Foi uma opção política do momento. Mas todo reaça, vota no inelegível. Existem pessoas democráticas de direita. É normal. Existem pessoas conservadoras e que são democráticas. Esse é o jogo da política. Mas gente que quer impunidade para aqueles fatos [ataques de 8 de janeiro], como se aquilo tudo fosse uma grande festa, é uma desfaçatez. Querem tratar nós, o povo brasileiro, em sua maioria, como idiotas”.
Sobre os cancelamentos, o músico disse que as produtoras foram vítimas de uma milícia digital e prometeu mimos para os fãs daquelas cidades que forem em Porto Alegre assistir à apresentação mantida. O artista também teorizou sobre se a polarização política também está afetando a música. “Não quero que a nossa música divida as pessoas, mas eu acho que a música serve, sim, para ser porta-voz do pensamento da maioria ou pelo menos da maioria dos fãs de determinado artista. As bandas são feitas de pessoas. E pessoas são diferentes. Há pessoas conservadoras, reacionárias e de extrema-direita. Você não consome um artista só pela canção dele, mas por todo significado que ele tem, a história que ele tem e o que transcende a ele.”
Nasi, no entanto, lamentou que já tenha vereadores de cidades no interior do país pedindo cancelamentos dos shows do Ira!. “Tem artista aí que está respondendo por suspeita de lavagem de dinheiro e ligação com narcotráfico. Tem outro que foi condenado pelo Ministério Público por ofender uma garota de 11 anos estuprada. Agora parece que virei o bandido da luz vermelha. Chegamos ao ponto de ter que tirar a agenda de shows do nosso site para não dar milho ao bode. Isso é terrorismo, pura e simplesmente”, contou.
“O rock nasceu e se expandiu como uma música que questionava e mudava paradigmas. Com Elvis Presley e sua sexualidade que revolucionou aquela juventude do pós-guerra, por exemplo. Sempre houve um artista que quebrava os paradigmas da geração anterior e isso não só em termos de política, também em termos de comportamento e de sexualidade, de moda. Agora, se tem artistas que se posicionam de uma maneira completamente anti-rock, eu não tenho culpa. Nem eu, nem a Legião Urbana, nem os Paralamas, nem os Titãs, nem o Barão Vermelho”, finalizou.