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O Som e a Fúria

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Lucinha Turnbull, a guitarrista pioneira que inspirou canção de Rita Lee

A artista, que é considerada a primeira guitarrista do Brasil e formou com Rita Lee a banda Tutti Frutti, faz show em SP no domingo

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 jan 2024, 12h11 - Publicado em 11 Maio 2023, 11h04

Foi aos 16 anos, quando se mudou para Londres, que a brasileira Lucinha Turnbull, de 70 anos, considerada a primeira guitarrista do Brasil, teve contato pela primeira vez com a guitarra elétrica. Lá na capital inglesa, no final dos anos 60 e início dos 70, assistiu ao show do exílio, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e conheceu Ritchie e Liminha, com quem aprendeu a tocar o instrumento. De volta ao Brasil, aos 19 anos, Lucinha fez amizade com os Mutantes e foi convidada para abrir o show deles, em 1972, no Teatro Oficina. Naquele mesmo ano, Rita foi expulsa dos Mutantes, mas a nova amizade com Lucinha se manteve e formou com ela a dupla de folk rock Cilibrinas do Éden.

Apesar de ter durado pouco tempo, a dupla foi o embrião da banda Tutti Frutti, com Luis Sérgio Carlini, Emilson Colantonio e Lee Marcucci. Discreta, Lucinha deixou a banda, mas nunca perdeu a amizade com Rita, apesar de nos últimos anos não ter tido nenhum contato com ela. No próximo domingo, 14, Lucinha será uma das atrações do festival Mimo, em São Paulo, onde fará um show em homenagem à cantora, morta na segunda-feira 8. “A gente amava cantar juntas, era mágico. Com certeza cantaremos juntas novamente em outras esferas. Suas canções e sua alegre irreverência viverão pra sempre em nossos corações”, disse a VEJA.

O festival Mimo, que é grátis, acontecerá entre os dias 12 e 14 de maio no Parque Villa-Lobos, em São Paulo, nos dias 16 e 17 de maio no Rio de Janeiro, na Cidade das Artes, e em 19 e 21 de maio, em Itabira (MG). Entre as atrações de São Paulo estão grandes nomes internacionais, como a saxofonista Lakecia Benjamin e os brasileiros Arnaldo Antunes e Paulinho da Viola.

Discreta, após a saída da banda Tutti Frutti, Lucinha gravou com Gilberto Gil Refavela e Refestança. Também trabalhou com os Demônios da Garoa, Caetano Veloso, Guilherme Arantes e Erasmo Carlos. Seu único álbum (e que não está disponível em nenhum serviço de streaming), Aroma, foi lançado em 1980. Atualmente, faz shows com o baixista Luiz Thunderbird, no projeto Thunder e Turnbull. Lucinha conversou com VEJA um dia antes da morte de Rita e falou sobre seu show no Mimo, mas também sobre Rita Lee e a presença da mulher no rock. Confira a seguir os principais trechos.

Além do seu show no festival Mimo, você participará do workshop promovido também pelo evento, intitulado A Mulher Nesse Tal de Rock and Roll. O rock ainda é um ambiente muito machista? Ainda é um pouco machista, sim. Melhorou um pouquinho, mas ainda é uma coisa muito arraigada. O comportamento sempre foi: tranca a menina em casa e joga os meninos na rua para experimentar tudo. Até hoje, quando vou comprar meu equipamento, alguém vem “me ajudar” a escolher a guitarra, como se eu não soubesse.

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Na época do Tutti Frutti, você lembra de alguma situação machista que sofreu por estar numa banda de rock? Quando a gente viajava, as groupies avançavam em cima dos meninos. Mas os fãs homens ficavam com medo de vir falar comigo e com a Rita. Eles ficavam olhando de longe, ressabiados. Não que a gente quisesse ser atacadas, mas parecia que eles tinham medo, como se a gente fosse muita areia para o caminhãozinho deles.

O Tutti Frutti inovou com duas mulheres em sua formação, numa época de ditadura e censura. Você sentia estarem dando início a uma mudança comportamental? Vou te dar uma resposta franca: eu não pensava nisso. Eu tinha 20 anos. A Rita teve a ideia de montar a Cilibrinas. Depois disse que ia chamar uns meninos para formar a banda. Ela cantava umas coisas, eu cantava outras. Lembro que era superdivertido. É engraçado porque eu nunca pensei estarmos mudando alguma coisa. Eu só tive vontade de tocar rock e toquei. Foi uma coisa automática.

A senhora participou de inúmeros momentos importantes da música brasileira. Um deles foi o histórico festival de Águas Claras, considerado o Woodstock brasileiro. O que lembra daquele período? Participei do de 1983 e vi o show do João Gilberto do palco, com o Paulinho da Viola ao meu lado. Nunca vi filmagens do meu show, mas eu me lembro que tinha muita lama. Eu estava acompanhada de uma banda ótima, Luiz Brasil, Tavinho Fialho, Beto Caldas e Chico Guedes. Não circulei muito entre o público, mas o show do João Gilberto foi a coisa mais linda. Ele disse que foi o melhor show da vida dele. Não reclamou de nada. Imagine só! Saiu um documentário sobre o festival e, quando o show dele está rolando, dá para me ouvir gritando.

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A senhora é pioneira na guitarra no Brasil. Quem te inspirou na guitarra? Existem milhões de mulheres tocando que eu não conheço. Eu me inspirei muito nos Beatles. Mas, recentemente, passei a ouvir duas mulheres, a Bonnie Raitt e a Sister Rosetta Tharpe (1915-1973). Rosetta simplesmente inspirou Chuck Berry. Ela era uma mulher preta, gorda e pobre. E tocava uma Les Paul SG como ninguém.

A banda Tutti Frutti (Luis Carlini, Leee Marcucci, Rita Lee, Emilson Colantonio e Lúcia Turnbull)
A banda Tutti Frutti (Luis Carlini, Leee Marcucci, Rita Lee, Emilson Colantonio e Lúcia Turnbull) (//Reprodução)

Como era o seu contato com a Rita Lee nos últimos anos? Fazia muito tempo que a gente não se falava. Ela se recolheu. Gostava de ficar em casa, organizando suas coisas. Eu estou ficando assim também. Já saí muito na vida, agora eu adoro chegar em casa. A vida tem dessas coisas, esse afastamento é natural. É como uma amiga da escola que depois muda de cidade ou vai para uma faculdade distante e você vai perdendo o contato.

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Você é citada por Rita na música Todas as Mulheres do Mundo e a Rita já disse que a personagem da música Esse Tal de Roque Enrow (do Tutti Frutti) foi inspirada em você. Como foi isso? Ela dizia que quando a gente ficasse velha iríamos abrir uma taberna chamada Turnbull and Jones, com aquela plaquinha balançando no vento, sabe? Sobre Esse Tal de Roque Enrow, houve mesmo uma reunião da minha mãe, minha madrinha e minha tia que dizia que eu deveria fazer faculdade e eu respondia: não, não! Também a história dos vestidos, que eu odiava. Descobri o rock com os Beatles e depois eu só ficava lá na sala, com esse tal de roque enrow. A gente se divertiu muito. O disco Fruto Proibido é lindo.

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