Documentário mostra como a CIA usou o jazz em golpe de estado na África
Indicado ao Oscar, 'Trilha Sonora para um golpe de estado' mostra a ação dos EUA na República Democrática do Congo

A República Democrática do Congo, país africano de 102,3 milhões habitantes, viveu no final do século XIX e início do século XX, uma das maiores violências da história, quando era possessão pessoal do rei da Bélgica, Leopoldo II, e a partir de 1908, quando se tornou uma colônia do país europeu. Quando o Congo conseguiu finalmente a independência, em 30 de junho de 1960, os habitantes do país se viram envolvidos em outra disputa de forças entre os Estados Unidos e a União Soviética, que levou a uma sangrenta guerra civil. Os americanos não queriam que o país caísse nas mãos dos comunistas, especialmente porque a região de Katanga, no Congo, foi uma das maiores fornecedores de urânio para os EUA durante a Segunda Guerra Mundial, responsável pela matéria-prima da produção das bombas atômicas que devastaram Hiroshima e Nagasaki, no Japão.
A história da independência do país é usada como pano de fundo para o excelente documentário Trilha Sonora Para Um Golpe de Estado, indicado ao Oscar de melhor documentário deste ano, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 30, com distribuição da Pandora Filmes. Dirigido pelo cineasta belga Johan Grimonprez, o filme parte de um protesto dos músicos Abbey Lincoln e Max Roach, que invadiram o Conselho de Segurança da ONU para denunciarem o assassinato de Patrice Lumumba, em 1961, político anti-imperialista e defensor do pan-africanismo, escolhido como o primeiro primeiro-ministro do país.
Lumumba, que era apoiado pela Rússia, foi assassinado por apoiadores de Mobuto Sese Seko, com o auxílio da CIA. Mobuto depois renomeou o país para Zaire e o governou com mão-de-ferro por mais de 20 anos, até ser deposto e fugir para o exílio. O país, então, voltaria a ser chamado de Congo. Essa impressionante história, no entanto, não é contada de maneira linear ou óbvia no documentário.

Com depoimentos de gênios do jazz, como Louis Armstrong, Thelonious Monk, Dizzy Gillespie, John Coltrane, Abbey Lincoln, Max Roach, Nina Simone, o documentário mostra como a diplomacia americana usou esses artistas negros – sem eles saberem – como parte de um processo de expansão cultural americana durante a Guerra Fria, infiltrando agentes entre os seguranças desses artistas para espionar o que se passava nesses lugares. Há até um caso em que o avião que transportou a equipe para o show histórico de Armstrong no Congo teria sido usado como cavalo de troia para retirar urânio do Congo.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, os negros americanos enfrentavam a segregação racial e a violência. Boa parte do documentário mostra os bastidores da reunião do Conselho de Segurança da ONU que enviou tropas para o Congo. Em um discurso histórico de Nikita Khrushchov na ONU, ele denuncia os Estados Unidos como um país racista onde os negros são linchados.
Emoldurando todo esse cenário caótico está o jazz. Em uma criativa montagem e edição de Rik Chaubet, cenas dos shows dos principais nomes do jazz surgem para ilustrar os eventos no Congo. No começo, o ritmo é mais tranquilo, com astros do bepop. Conforme a situação vai se tornando tensa, o ritmo se altera para o free jazz, numa mistura entre música e política hipnotizante. Infelizmente, mesmo após 50 anos, a violência ainda é uma realidade no país. Nesta semana, por exemplo, o exército enfrentou rebeldes de um grupo armado intitulado M23 nas ruas da capital Kinshasa, com o governo apelando ao Conselho de Segurança da ONU por soluções.