Como álbuns clássicos se tornaram a mina de ouro da indústria de shows
Uma forma peculiar de apresentação comemorativa ganha força e atesta o valor da nostalgia para atrair o público

Criada em 2021 pela banda americana Weezer, a canção I Need Some of That (“Eu preciso um pouco disso”, em português) tem letra simples, mas repleta de simbolismo. Nela, o vocalista Rivers Cuomo, de 54 anos, extravasa aquela agradável sensação idílica ao lembrar de quando era um “pequeno punk” na Califórnia: “Eu sonhava acordado, ouvindo Aerosmith / Só queria plugar minha guitarra num amplificador Marshall / E poder ser quem eu quiser”. Foi com esse sentimento que o Weezer realizou, alguns meses atrás, uma turnê comemorativa com ingressos esgotados do Blue Album (1994), trabalho de estreia da banda que completou trinta anos em 2024. Um repertório sem surpresas: o quarteto tocou na íntegra todas as canções do disco.
A iniciativa reforça uma tendência inequívoca: nos últimos anos, a nostalgia virou um dos bastiões mais lucrativos da indústria musical. No afã de lotar estádios e vender ingressos antecipados (e caros), o saudosismo é explorado das mais diversas maneiras, das eternas turnês de despedida de bandas como o Kiss à atual onda de “reuniões históricas” de velhos conjuntos que andavam aposentados — com essa fórmula, por exemplo, os Titãs fizeram a série de shows mais rentável do Brasil em 2023. No exterior, o retorno do Oasis renderá aos irmãos Gallagher cerca de 3 bilhões de reais. O prazer de ouvir ao vivo os discos que fizeram história é uma curiosa — e legítima — variação dessa fórmula.
Apenas nos últimos tempos, bandas como Green Day e Flaming Lips, além dos brasileiros Caetano Veloso e Nação Zumbi, já fizeram shows semelhantes. Se voltarmos um pouco mais no tempo, os exemplos são ainda mais abundantes, com apresentações especiais do Metallica, U2 e Primal Scream tocando seus álbuns mais clássicos. O próprio Cuomo, cantor do Weezer, explica a razão de turnês como essas fazerem tanto sucesso. “Para além da nostalgia, há uma forte influência do streaming, que permite a audição de qualquer disco. Agora é tão fácil ouvir as músicas antigas quanto os lançamentos”, afirmou recentemente.

Em comum, os álbuns escolhidos costumam carregar consigo alguma simbologia especial. Da Lama ao Caos, primeiro disco de estúdio do Nação Zumbi, marcou o surgimento do movimento manguebeat, com hits como Samba Makossa e A Praieira. Já Transa, de Caetano Veloso, foi gravado em Londres durante o exílio do artista, com Jards Macalé na banda e participações marcantes de Gal Costa e Angela Ro Ro. O cinquentenário do disco inspirou uma concorrida série de shows.
As turnês comemorativas de álbuns clássicos surgiram em meados dos anos 2000, mas só recentemente ganharam contornos de grandes espetáculos. Para o produtor João Marcello Bôscoli, reside aí o segredo do sucesso dessas iniciativas. “Todo show precisa de um roteiro, e um álbum clássico já tem esse roteiro pronto”, explica. Isso significa que não basta a efeméride pura e simples para que se faça um show especial. O álbum precisa ter feito história, seja por inaugurar um movimento, como o manguebeat, seja por marcar uma nova fase do artista, como Transa. Mas os exemplos mais expressivos são as turnês que reproduziram, em tom de superprodução, dois dos álbuns mais marcantes da história do rock, The Dark Side of the Moon (1973) e The Wall (1979), do Pink Floyd — Roger Waters, ex-integrante mais ativo da banda nos palcos, tocou essas obras na íntegra em shows de 2006 e 2010, respectivamente. Recordar é viver — e também uma excelente maneira de faturar.
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2025, edição nº 2925