A nova safra de bandas que mantêm viva a fúria do rock
Da australiana Amyl and the Sniffers à sueca The Hives, elas resgatam a energia primal do gênero

De top, shortinho e cabelos descoloridos à la Farrah Fawcett, a cantora australiana Amy Louise Taylor, 29 anos, revelou-se à vontade no calorão brasileiro. Em show numa casa noturna de São Paulo há poucas semanas, a vocalista da banda Amyl and the Sniffers corria de uma ponta a outra, se jogava sobre a plateia e dançava de modo endiabrado. Dona de uma voz rouca potente, ela disparava as letras em velocidade igualmente estonteante — marca ruidosa que se repete nos clipes. Com tal disposição, a artista plugada nos 220 volts fez lembrar: mais que gênero musical, o rock sempre foi um fenômeno comportamental calcado na energia primal da juventude. As gerações passam, o gênero se amansa — mas, de vez em quando, sua força volta a irromper.
A frenética Amyl and the Sniffers é expoente de uma providencial renovação: a emergência de bandas que celebram, nos palcos e em seus álbuns, certa urgência perdida do rock’n’roll. Aos australianos se juntam outros conjuntos, como os ingleses do Idles e o quinteto sueco The Hives. Em comum, essas bandas resgatam a crueza e o espírito do “faça você mesmo” do bom e velho rock de garagem, aquela vertente eternizada nos anos 1960 por grupos como os Stooges, de Iggy Pop, ou o MC5 — e reinventada nas décadas seguintes por movimentos como o punk e o grunge.

O rock de garagem ganhou fama pelas canções curtas e por ser a praia de artistas jovens com pouca formação musical, mas muita adrenalina. Embora a receita pareça pueril, a simples lembrança de que o rock é feito originalmente dessa matéria-prima traz alento. Vive-se numa época, afinal, em que as turnês do ramo se tornaram um mostruário nostálgico de velhos astros preocupados apenas em pagar seus caros boletos. Se o gênero foi dado como morto inúmeras vezes nos últimos anos, sobretudo com a ascensão de ritmos como o rap e o trap, bandas na linha da espevitada Amyl and the Sniffers mostram que ele está vivíssimo, e ainda chuta.
O rock de garagem 3.0 mantém-se fiel ao estilo caracterizado por acordes básicos de guitarra distorcida e vocais raivosos. Do ponto de vista comportamental, continua também a ser música feita por jovens proletários e de classe média — ainda que hoje tenha um caráter mais globalizado que em sua origem, nos Estados Unidos e na Inglaterra. A cantora Amy exemplifica esse perfil. Ela foi criada numa cidadezinha próxima de Brisbane, berço da contracultura da Austrália. Na adolescência, dava duro como vendedora de botijões de gás. Aos 19 anos, montou o grupo com seus colegas de quarto numa república juvenil. A inspiração para o nome da banda — “Amyl e os cheiradores”, na tradução literal — vem de uma gíria australiana para nitrato de amila, tipo de droga tosca consumida em baladas do país. “A onda dura uns trinta segundos e depois você tem uma baita dor de cabeça. É assim que somos”, já disse ela.
Apesar do nome sugestivo, a moça não deve tirar tanto o sono dos pais: se antigamente roqueiros como Iggy Pop faziam loucuras no palco sob efeito de substâncias ilícitas e álcool, Amyl não consome drogas — e é toda atlética. Outro dado curioso: a energia que tantas vezes veio de uma geração imberbe agora é capitaneada por artistas mais velhos, entre os 30 e os 40 anos, como os suecos do The Hives.

Com considerável base de fãs no Brasil, onde se apresentou em 2023 e 2024, o quinteto esteve há duas semanas em São Paulo para promover seu novo álbum, The Hives Forever Forever The Hives. “O punk surgiu em contraponto ao rock polido e chato. Até tentamos fazer um disco mais limpinho, mas falhamos”, disse a VEJA o vocalista Pelle Almqvist — que, ao lado dos colegas, só se apresenta ao vivo de terno e gravata com extravagantes grafismos de raios brancos. A elegância, com um quê de cultura nórdica, logo é desfeita quando os cinco integrantes começam a pular ensandecidamente no palco, sempre encerrando os shows suados e desgrenhados.
A mesma explosão se dá nas apresentações do Idles. Legítimo herdeiro do rock de garagem britânico, o grupo foi formado há pouco mais de uma década e seus integrantes hoje vão dos 30 aos 40 anos. Eles carregam a rebeldia do Sex Pistols e a fúria do Fugazi em letras que condenam as desigualdades sociais e o sexismo, além de expor dramas como a depressão. Eles são mais uma prova de que o rock continua não apenas relevante: é capaz de rugir, em alto e bom som.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940