A façanha que fez do cantor Jão uma potência do mercado de shows
Ao encerrar uma turnê superlativa que atraiu 500 000 pessoas, ele se firma como um fenômeno capaz de falar como ninguém aos corações da geração Z

Quando João Vitor Romania Balbino, o Jão, subir ao palco do estádio paulistano Allianz Parque neste sábado, 18, o jovem cantor da pequena Américo Brasiliense (SP) estará fazendo história: sua turnê foi uma das mais bem-sucedidas no país nos últimos tempos. Nas dezesseis apresentações, a maioria em estádios, ele atraiu 500 000 pessoas, sem contar as catorze participações em festivais — incluindo o Rock in Rio, onde tocou para 100 000 pessoas. Esses números o colocam entre os artistas que mais venderam ingressos, lado a lado com a reverenciada turnê dos irmãos Caetano Veloso e Maria Bethânia. Mas com um diferencial: aos 30 anos, Jão não carrega aquela pegada nostálgica capaz de arrebanhar multidões quase por osmose, como ocorreu com os Titãs, que tiveram um público de 600 000 pessoas em 2023. Enquanto cantoras de peso como Ivete Sangalo e Ludmilla desistiram de se apresentar em estádios recentemente por falta de público, Jão esbanjou sucesso.
Curiosamente, ele construiu sua carreira na contramão do pop de hoje. Não engrossa a massa de artistas que cravam hits instantâneos (e passageiros) no streaming: em vez disso, cultiva uma forma mais consistente de prestígio, resgatando a tradição dos álbuns feitos para ouvir por inteiro e que despertam nos fãs o desejo de vê-lo no palco. Foi o que aconteceu com seu mais recente disco, Super, que também dá título à turnê que agora se encerra. “Compus o álbum pensando em cantá-lo em estádios”, disse Jão a VEJA (leia a entrevista).
Sagaz, o artista logo entendeu essa espécie de culto e investiu alto em seus espetáculos. Em vez de supor que o público iria aos estádios só para ver seu rostinho bonito, criou um show teatral dividido em quatro fases (ou eras, tal e qual Taylor Swift, em quem diz se inspirar). Cada uma delas (terra, ar, água e fogo) representa um de seus quatro álbuns: Lobos (2018), Anti-Herói (2019), Pirata (2021), além de Super (2023). A cenografia é gigantesca, com um painel de LED de 25 metros de altura e três palcos menores no meio da plateia, para os fãs poderem enxergá-lo de todos os ângulos.

O jeito simples de garoto do interior e as letras sobre corações partidos e romances fluidos falam de modo profundo com a geração Z — os jovens nascidos a partir de 1997 — e se tornaram um trunfo para consolidar o artista como fenômeno. Nos últimos anos, ele estrelou campanhas publicitárias de grandes marcas que tentam se conectar com essa nova geração, como C6 Bank, Lacoste, Prada, Adidas, KitKat, Doritos e Coca-Cola. Embora não revele valores, Jão diz que as parcerias se tornaram importante parte de sua renda. Mas são as turnês que lhe dão os maiores lucros. Numa conta rápida: com preço médio de ingressos a 300 reais, apenas de bilheteria ele faturou cerca de 150 milhões de reais em 2024.
A seu lado, Jão tem uma equipe que o acompanha há quase dez anos, formada por colegas que conheceu na Universidade de São Paulo quando cursava publicidade. Segundo ele, ter essa turma por perto o ajudou a manter os pés no chão — e o coração no lugar. Bissexual, o artista assumiu oficialmente no início do ano passado o namoro com seu diretor criativo, Pedro Tófani, após tascar um beijão no moço durante o primeiro show da turnê, com transmissão ao vivo pelo Multishow. Ele conheceu Tófani em 2013 e manteve um relacionamento “complicado” com o rapaz até finalmente se assumirem como casal.
Parte da inspiração das letras de Jão vem de seu ídolo maior, Cazuza, que marcou o rock nacional com a banda Barão Vermelho e morreu em decorrência da aids, em 1990. “A forma como ele falava sobre sentimentos bregas e cafonas de forma poética me inspirou muito”, diz. Pela primeira vez em sete anos, ele afirma não ter nenhum projeto futuro engatilhado: pretende dedicar os próximos meses à tarefa de comprar uma casa própria em São Paulo. Bem-amado por todos, o novo ídolo do pop terá seu merecido descanso.
“Me considero uma criança”
O cantor Jão falou a VEJA sobre as razões de seu sucesso, o namoro com o diretor artístico Pedro Tófani e a influência de Cazuza em sua carreira.

Que balanço você faz do sucesso da SuperTurnê? Lotar estádios modifica muito a gente como artista. O nível de pressão, de concentração e de precisão para entregar um show como esse é muito grande. Hoje sou um artista diferente daquele que começou a turnê, um ano atrás.
Ivete e Ludmilla não conseguiram lotar estádios e cancelaram turnês no ano passado. Qual o segredo para atingir esse feito? Super foi um álbum pensado para ser cantado ao vivo. A gente criou uma narrativa no show e cada turnê conta uma história diferente.
Na contramão dos hits virais no topo das paradas, suas composições ganham tração com o tempo. Como é seu processo criativo? Não sou de lançar singles. Gosto dos álbuns. Quando lancei meu primeiro trabalho, muitos diziam que os álbuns iam acabar. Gosto de cantar músicas populares, mas a maneira de encarar as paradas não pode ser irreal. Poucas coisas ali tocam realmente as pessoas. É importante ter um hit viral, claro, mas correr atrás disso deixa sua carreira mais rarefeita.
Com o fim da turnê, quais são os planos para o futuro? Desde o início, senti que deveria provar algum ponto. Quando surgi, no YouTube, eu precisava provar que conseguiria lançar um disco com músicas autorais. Depois, quis provar que poderia ser um artista pop de sucesso. Na sequência, que conseguiria lotar um estádio. Fiquei nesse loop dos 20 aos 29 anos. Para o futuro, quero fazer as coisas com mais calma. Estou gostando da ideia de não ter ideia do que fazer.
No início do ano passado, você assumiu o namoro com Pedro Tófani. Pensa em casamento? Estou muito longe de pensar qualquer coisa do tipo. A gente se gosta muito e trabalha junto há muito tempo. Somos amigos desde a faculdade e a nossa relação é muito sólida, de amor e parceria. Ainda me considero uma criança para casar. Não moramos juntos.
Cazuza sempre foi uma influência para você, mas artistas como ele ou Renato Russo jamais assumiram tão abertamente sua orientação sexual. Sente que eles pavimentaram o caminho? Só me sinto confortável de ser um artista mainstream e ter um namorado porque eles existiram e abriram muitas portas. Se hoje podemos fazer shows e tocar nas rádios sem boicotes, é graças a eles.
Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927