O “pior” romance de José de Alencar
Publicado em 1870, O Gaúcho foi atirado na lata do ostracismo porque o seu autor não conhecia o Rio Grande do Sul
(Da série 140 anos da morte de José de Alencar).
Como já defendemos aqui, José de Alencar foi um dos maiores contadores de histórias que o Brasil conheceu. Morreu em 1877, com apenas 48 anos, depois de publicar 20 romances, 7 peças de teatro, uma antologia de crônicas, uma autobiografia intelectual e centenas — talvez milhares — de artigos na imprensa do seu tempo.
Seus melhores romances costumam ser indicados para o vestibular. É o caso de Iracema, O Guarani e Senhora. Em contraposição, aqueles que são considerados os piores continuam recebendo apenas uma ou duas linhas de atenção nos manuais. É o caso de O Gaúcho, de 1870, uma saga de vingança ambientada no pampa bravio. (Em 1957, o livro foi filmado por Walter George Durst e teve o título modificado para Paixão de Gaúcho).
Desde seu lançamento, o livro foi esculhambado pela crítica, injustiça cometida contra todos os leitores que acabaram se encontrando com a prosa de Alencar. No meu caso, demorei até criar o ânimo necessário para folhear O Gaúcho. “Primeiro os bons”, eu pensava. “Depois vejo os outros”. Perdi um tempo precioso, confesso.
O Gaúcho conta a história de Manuel Canho, menino de 9 anos que jura vingança depois de assistir ao assassinato do pai. Adulto, parte para seu destino, mas antes pede a “bênção” do padrinho Bento Gonçalves e se envolve na Guerra dos Farrapos. Nada mais revelo do entrecho e do desfecho, que não são previsíveis, mas cheios de “verdade ficcional”.
Se é desse jeito, então por que O Gaúcho foi e é considerado um romance ruim?
Como Alencar nunca pôs os pés no Rio Grande do Sul, muitos dos críticos de sua época, que eram gaúchos, começaram a dizer que o pampa descrito no livro nada tinha a ver com o pampa da vida real. Os demais críticos, que também não conheciam o sul, compraram o argumento e assim as virtudes do romance foram ofuscadas por suas imperícias geográficas.
De tudo nessa história, o mais curioso é que a parcialidade dos críticos muda a cada geração. Há alguns anos, quando Chico Buarque publicou Budapeste, foi chamado de gênio — mais uma vez — porque nunca esteve na Hungria!