A palavra foi feita para dizer, foi feita para ser uma ferramenta concreta e simbólica que penetra nos ouvidos “ouvintes”, transformando-se em patrimônio cultural, individual e coletivo. É lamentável que existam pessoas surdas do ponto de vista psíquico, que não experimental emocionalmente o dom das palavras, apenas consomem a leitura.
As palavras soam, cantam, têm ritmo, harmonia e dissonâncias; as palavras são consequências da capacidade de simbolizar e pensar, caso contrário, são espasmos musculares do aparelho fonador para se livrar das “impurezas angustiantes e dolorosas” de estados mentais caóticos.
As palavras unem, criam diálogos, constroem parceria; as palavras se introduzem dentro das pessoas como projéteis venenosos, destruindo o bom, como no caso dos ataques invejosos e vorazes; as palavras adormecem mentes inquietas, crianças em pânico, amantes em conluio de êxtase, violência em amorosidade, inveja em gratidão, ódio em capacidade de pensá-lo, instantes intuitivos em poesia, experiências interiores em prosa e romance.
A palavra está após a música e a pintura, segundo Clarice Lispector. Sharazade foi a rainha da palavra, da capacidade de contar histórias, de criar uma defesa contra violência criminosa do rei Shariar. A história das Mil e uma noites é além do conto dos contos, uma metáfora de como se lidar com o poder destrutivo dos reis, califas, governos e tiranos!
Freud criou o que uma paciente sua chamou de “cura pela palavra”; Sêneca, em suas Cartas Consolatórias, aliviava as dores do luto, da falta, dos estados depressivos e dos filhos desamparados; os poetas traduzem o indizível, escrevem e criam possibilidades do leitor ter “insight” da sua própria existência; os romancistas criam personagens ou descrevem os conflitos da vida como ela é. Com a música de suas palavras, o canto embriagador de suas histórias, a função sonífera de sua prosa-poética, Sharazade enfrentou a violência dos “poderosos”, como podemos assim fazer diante das mentiras, dos disfarces, da palavra-fala dos nossos governantes, seduzindo o povo todo a sucumbir ao “canto das sereias”. É uma boa metáfora!
Carlos de Almeida Vieira é alagoano, residente em Brasília desde 1972. Médico, psicanalista, escritor, clarinetista amador, membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association