Até outro dia eu era daqui. Imaginava que sabia. Que algo compreendia. E explicação não faltava. Havia razão para tudo. Sempre escorava a frustração na certeza de que não era nossa falta.
Mas a vida vai e vem. Dá sempre jeito de tornar o improvável possível e o inesperado realidade. Nela, os momentos mais importantes são dia em que se nasce e, tendo sorte, o dia em que descobre porque nasceu. Em tempos cada vez mais sem sentido, parece que esse dia nunca vai chegar.
Vivemos, afinal tempos infernais. Condenados a rodar em círculos em busca de algo que faça sentido. Vagamos a esmo sem saber mesmo porque. Sem saber ou mesmo perguntar onde vamos. Sem direção alguma.
No Brasil, o inferno não é o outro. É o espelho. Por isso, a gente evita sempre que pode olhar para ele. Dói. Causa choque. Vira tristeza. E quem sabe dá até alguma indignação. Se é que tenha sobrado alguma.
Com sorte, estamos apenas confusos. Caos, já disseram, é apenas a ordem que não foi ainda decodificada. Fico aqui torcendo para que, quando finalmente resolverem o mistério, sejamos capazes de compreende-lo. Ajudaria pelo menos a ir levando.
Sabemos cada vez mais sobre cada vez menos até o dia que saberemos tudo sobre absolutamente nada. Já não conseguimos diferenciar versão do fato. A notícia do boato. O verdadeiro do falso. O certo do errado.
Permanecemos atônitos. Assistimos histórias de homens sem vergonha vivendo em lugar sem lei. De cada história fica apenas o cinismo. Parece esse ser o nosso destino. Ser nação que pensa coisa alguma, onde, por isso, se fala qualquer coisa.
Faz tempo descumprimos nosso dever de sonhar. Deliramos, apenas. Acreditamos no nada. E por isso aceitamos qualquer coisa. Pedimos da vida apenas que passe discretamente, sem que percebamos.
O Brasil é terra estrangeira. Não abraça nem mesmo aos seus. Permanece incompreensível, misterioso, indecifrável. Talvez adormecido. Talvez indiferente. Ser brasileiro é pertencer ao que não está. E desejar o que nunca pode ser.
Um dia já fui daqui. Hoje regresso estrangeiro. Forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim. Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. Eu reinei no que nunca fui.
OBS: Inspirado em obras de Fernando Pessoa
Elton Simões mora no Canadá. É President and Chair of the Board do ADR Institute of BC; e Board Director no ADR Institute of Canada. É árbitro, mediador e diretor não-executivo, formado em direito e administração de empresas, com MBA no INSEAD e Mestrado em Resolução de Conflitos na University of Victoria. E-mail: esimoes@uvic.ca .