A morte é a possibilidade mais concreta de nossas vidas. Não discrimina e é inegociável. Todos morreremos. De morte morrida. De morte matada. Aos que ficam resta dor e luto.
Foi um janeiro de lutos. É um fevereiro de lutos. Ano que começa com dor e lágrimas, sucedendo outro – de perplexidade e dor com lutos figurados. Uma comoção atrás da outra. Mortes evitáveis são ainda mais doloridas. Revoltantes. Retratos do país esgarçado em descasos e desmandos.
É a empresa que Vale bilhões e não Vale nada em respeito humano. Reincidente, mata por descuido – os seus e os vizinhos. Gente, bicho e terra e água.
Mata em segundos. Dilata e dilata o prazo do atendimento dos que sobraram como se sobras fossem mesmo. Foi assim em Mariana. Ensaia repetição em Brumadinho. Entre um e outro, lucro e mortes crescem em progressão geométrica.
Reclame ao bispo?
Parece, não resolve. A cidade do Rio de Janeiro tem um no comando que, absolutamente, não cuidou do que devia – encostas, bueiros, bocas de lobo. Cuida de que, aliás? O anterior a ele, não era bispo, também não fez nada. Cuidou de Copa, Copinha e Olimpíada. Muita propaganda, poucos legados reais.
E assim, neste 2019, a costumeira tragédia das chuvas foi repetida. Sete mortos, dezenas de desabrigados, vidas e bens levados nas enchentes. O bispo da vez recomendou toque de recolher até a chuva passar.
E aí veio o fogo. Queimou 10 vidas num alojamento altamente queimável no coração do clube amadíssimo Brasil afora. Chorou Flamengo. Choramos todos pelos meninos que sonhavam sucesso com bola no pé.
Três tragédias e a mesma causa – descaso. A vida, a terra e a água valem tão pouco que vale a pena correr o risco do desastre. O curto tempo entre Mariana e Brumadinho retrata o compromisso com o risco. E assim responsáveis e fiscais são irresponsáveis. Bora ver até onde dá pra ir tocando o barco, com custo mínimo e risco máximo?
Vale o mesmo para a anual tragédia das chuvas de verão, para o fogo que queimou os meninos do Flamengo – quase todos pretos, quase todos pobres, como nos versos do Caetano.
Ontem, um helicóptero, que não tinha autorização para levar passageiros, matou piloto e passageiro. Levou Ricardo Boechat, jornalista, pleno de vida, de talento e de coragem. Irreverente, sarcástico, preciso em reproduzir a indignação diárias dos que não têm microfone.
Boechat era ímpar para quem via e ouvia, para os que conheciam, os que conviviam, os que conviveram. Mais duas vidas queimadas no asfalto. Mais luto, mais lágrimas.
O Brasil continua batizando crimes de desastres. Não há reparação possível para descasos. Para os crimes deveria haver. Também não há. Seguem resumidos a fatalidades. Sem causas, sem culpados.