Lendo a beleza de livro de Luigi Pareyson, filósofo, falecido em 1991, Dostoiévski – filosofia, romance e experiência religiosa, publicado no Brasil em 1912 e traduzido por Maria Helena Nery Garcez e Sylvia Mendes Carneiro, surpreendo-me com uma passagem na página 75, que inevitavelmente associo com nossa realidade brasilera atual. Diz o autor: “De fato, aí estão reconhecidos os princípios fundamentais da concepção trágica da vida. A vida é sofrimento, não se chega à verdade, ao bem, ao hosana, a não ser através do ‘crisol da dúvida’, do risco do erro, do perigo da liberdade, da vitória sobre o mal; o mal é desejo de aniquilamento e contade de destruição, o mal não tem uma subsistência própria, mas está destinado à submissão final ao bem. Mas esses mesmos princípios encontram-se alterados pela escansão necessária da dialética, pela qual o mal é ‘necessário’ ao bem inevitável, ao movimento da vida, ao progresso do espírito humano. O diabo, constrangido a operar por dever de ofício e pela sua posição social, o demônio, reduzido a ‘termo negativo indispensável’, a negação sob o comando e a irracionalidade sob encomenda, a tragédia, transformada emcomédia: eis a dialética da razão e da necessidade”.
Dostoiévski é atualíssimo em toda a sua obra, e principalmente em Memórias do Subsolo, de 1864. Lá se vê um homem sofrido, revoltado, cansado de lutar por um mundo de verdades e não por uma civilização da mentira, do roubo, do assalto, da miséria e do desrespeito a todos direitos humanos. Estamos atravessando em nosso Brasil, a camada vergonhosa da cultura da corrupção e da falta de amor ao homem e ao social. Levantam-se escândalos, falcatruas, mentiras, perversidades que lembram o grande e universal escritor russo escrever em Memórias sob a pena de Pareyson: “As Memórias do Subsolo são o urro de terror do homem que, de repente, descobre ter sempre mentido e feito uma comédia, quando dizia que a finalidade da existência é servir o último dos homens”.
Oxalá, diante do quadro brasileiro de instabilidade democrática, possa tentar reverter um pouco essa situação, agora, às vésperas de uma eleição, que só terá sentido se pudermos eleger pessoas com princípios éticos e políticos. Chega de uma herança crônica dos tempos do “Coronéis”. Relendo as Memórias, não devemos esquecer que Dostoiévski falava em descobrir a verdade: “…a saber, o quanto era falsa e mentirosa a adocicada compaixão do humanismo filantrópico e idealista…”
Carlos de Almeida Vieira é alagoano, residente em Brasília desde 1972. Médico, psicanalista, escritor, clarinetista amador, membro da Sociedade de Psicanálise de Brasília, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e da International Psychoanalytical Association