Um mundo sem multilateralismo
Nova era diplomática abre espaço para uma geopolítica mais volátil

A reunião em Riad pode representar um marco nas negociações para o fim da guerra na Ucrânia, mas também revela uma tendência preocupante na geopolítica contemporânea: o enfraquecimento do multilateralismo. O fato de Estados Unidos e Rússia conduzirem tratativas diretas, sem a participação ativa da Europa e da Ucrânia, sinaliza uma volta a práticas diplomáticas do início do século XX, quando grandes potências definiam os rumos globais em negociações fechadas, muitas vezes ignorando os interesses dos países diretamente afetados.
Essa abordagem, embora possa agilizar certos acordos, acarreta riscos significativos. A exclusão de aliados e parceiros estratégicos pode levar a ressentimentos e instabilidade, minando a credibilidade de qualquer tratado alcançado. No caso europeu, o distanciamento das negociações reforça a percepção de que sua influência global está em declínio, o que pode gerar maior fragmentação interna e levar ao fortalecimento de movimentos nacionalistas que questionam o papel da União Europeia na arena internacional.
Além disso, o abandono do multilateralismo enfraquece a arquitetura de segurança coletiva construída ao longo das últimas décadas. Organismos como a ONU, a Otan e até mesmo o G7 perdem relevância quando decisões cruciais são tomadas em negociações bilaterais. Isso abre espaço para uma geopolítica mais volátil, em que acordos são feitos e desfeitos ao sabor de interesses imediatos, sem a construção de um consenso duradouro entre múltiplos atores.
“Há sinais de que voltamos a práticas do século XX, quando grandes potências definiam os rumos globais”
Resta saber se temas sensíveis, como as relações entre Rússia e Irã e a cooperação militar com a Coreia do Norte, farão parte do pacote negociado para encerrar a invasão da Ucrânia. Se Moscou continuar fornecendo tecnologia militar a esses dois países, amplamente considerados focos de instabilidade global, o acordo pode enfrentar sérios obstáculos. Para os Estados Unidos e seus aliados, permitir que a Rússia mantenha essas parcerias estratégicas enquanto obtém concessões no front ucraniano seria uma contradição difícil de justificar.
O cenário atual guarda inquietantes semelhanças com os primeiros momentos da Segunda Guerra Mundial, quando as potências ocidentais acreditaram que poderiam conter a escalada do conflito por meio de concessões pontuais. O caso mais emblemático foi o abandono da Tchecoslováquia no Acordo de Munique, em 1938, quando França e Reino Unido permitiram que Hitler anexasse os Sudetos sob a ilusão de que sua fome expansionista seria rapidamente saciada. A história, no entanto, mostrou que ceder sem garantias sólidas apenas adiou e agravou um conflito inevitável.
Agora, o desafio é garantir que as concessões não sejam vistas como um incentivo à continuidade da política de confrontação russa, mas, sim, como um caminho real para a estabilização da ordem global. Por fim, a falta de um compromisso amplo e transparente pode tornar o próprio acordo instável. Se Ucrânia e Europa não forem plenamente envolvidas no processo, há o risco de que rejeitem os termos ou se sintam forçadas a aceitá-los sem real comprometimento, o que pode gerar novas tensões no médio prazo. Além disso, se os Estados Unidos abandonarem o multilateralismo como princípio, outros países poderão seguir o mesmo caminho, consolidando uma ordem mundial onde a força e os interesses individuais predominam sobre a cooperação e a busca de soluções conjuntas.
Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2025, edição nº 2932