A tragédia que ora acomete o povo ianomâmi, em Roraima, resulta de uma perversa mistura recorrente na história do Brasil: omissão e incompetência. É um vexame internacional que se soma a outros, quando se trata de questões envolvendo a Amazônia.
A mesma combinação de omissão e incompetência que acabou explodindo no delírio das invasões nos palácios dos três poderes, em 8 de janeiro, se revela agora no descaso com os ianomâmis. Nesse último caso, acrescenta-se um grau inimaginável de desprezo ao ser humano, à cultura e aos povos que habitavam o Brasil antes da colonização.
Elegantes e engajados do Brasil procuram causas humanitárias e alguns se voltam até para meritórias iniciativas no exterior. Mas nós, como tomadores de decisão e formadores de opinião, não estamos sintonizados com a questão dos povos indígenas brasileiros, nem sabemos como lidar adequadamente com a situação. Uma barreira de descaso e preconceito nos afasta do Brasil profundo e original.
A imprensa, tão vigilante para criticar, tampouco esteve devidamente atenta à tragédia que vem acontecendo há muito tempo no território em que habitam os ianomâmis. O pouco-caso com os povos indígenas é histórico em nosso país, incluindo a falta de proteção a seu hábitat e a seus costumes. Tratar do tema oscilou entre a alegoria, o paternalismo e o descaso.
“Muitas tribos querem explorar recursos naturais e terminam seduzidas pelo lucro fácil do garimpo ilegal”
Por outro lado, busca-se ampliar as áreas de reservas indígenas, que já somam mais de 13% do território nacional. Antes de simplesmente ampliar áreas, que se definam determinadas políticas públicas, e não somente para os povos originários. Que elas abranjam também caiçaras e quilombolas, por exemplo. Devemos saber o que eles querem de suas vidas, quais são as suas necessidades e aspirações. E qual o grau de comprometimento que a nação tem com os compromissos constitucionais em relação a eles.
O país, enquanto sociedade e governo, deve dar prioridade à questão. Mas ela precisa envolver todo o assunto, especialmente aspectos básicos da vida, como saúde, segurança, educação, atividade econômica, preservação do meio ambiente e da cultura. Os povos indígenas devem ser cuidados e protegidos em seus direitos. Assim como suas terras. Protegê-los é inseri-los, verdadeiramente, na agenda nacional.
Também se deve considerar a monetização, desde que de forma sustentável, de seus recursos naturais. Muitas tribos querem explorar os seus recursos naturais e terminam seduzidas pelo lucro fácil da derrubada indiscriminada de árvores ou pelo garimpo ilegal. Essa é uma realidade que deve ser combatida — ao passo que o desenvolvimento sustentável deve ser estimulado.
A busca pela solução à questão indígena deve ser imediata. Não apenas a trágica situação dos ianomâmis. E toda a nossa elite, distante desses povos, precisa se engajar nessa tarefa, bem como as Forças Armadas, a Defesa Civil, as organizações não governamentais, os empresários e a sociedade civil. Urge acabar com essa crise humanitária e inserir a questão de forma definitiva na agenda nacional.
Publicado em VEJA de 1º de fevereiro de 2023, edição nº 2826