Chega a ser insuportavelmente aborrecido assistir à cena política brasileira, com seu enredo mambembe de desencontros políticos. Sobretudo por estar escrito há séculos — como diria Nelson Rodrigues — que o governo Lula 3 enfrentaria sérias dificuldades, pelo simples fato de que não existe maioria governista estável nem unidade no Poder Executivo, muito menos software para governar.
Pouco antes do fatídico 8 de Janeiro, escrevi que as narrativas do novo governo buscavam uma retropia que desembocava em retroprojetos. Quatro meses depois, as narrativas e as atitudes confirmam a busca pelo conforto em um passado que não existiu. O slogan “O Brasil voltou” é uma atitude nostálgica de um país que ainda não foi. Assim como as iniciativas que tentam remendar o passado.
Podemos fazer algumas analogias entre o atual momento político e a situação de Napoleão em Waterloo. Lula tem pela frente uma batalha decisiva para o futuro do seu governo: aprovar o marco fiscal e as fontes de financiamento. Uma derrota poderá ser fatal para a estabilidade política e econômica do país e, consequentemente, para o futuro do governo. Porém, tal qual Napoleão, o presidente parece destreinado para as articulações. Afastado dos acontecimentos por conta do exílio na ilha de Elba, Napoleão não preparou adequadamente a sua tropa.
“Há uma mistura de ignorância, arrogância e incompetência que acaba retardando as chances de sucesso”
A tropa política de Lula, como as de Napoleão, está desunida e descoordenada. Napoleão fez uma leitura errada do cenário de batalha e ordenou uma carga de cavalaria sem proteger adequadamente seus flancos. Lula questiona a privatização da Eletrobras, ataca a autonomia do Banco Central e desafia o marco do saneamento sem a devida sustentação política.
Com tudo para dar certo pela existência de uma ampla agenda de consenso, o governo está na Série A, mas joga na várzea. Há uma mistura de ignorância, arrogância e incompetência que acaba retardando as chances de sucesso. Assim, para os agentes econômicos, as melhores expectativas de hoje foram sintetizadas nas seguintes palavras do presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL): “A principal reforma que o Congresso Nacional pode defender é o não retrocesso em medidas já aprovadas”.
Ora, se o melhor cenário é evitar o retrocesso proposto nas narrativas do governo, qual seria o cenário provável? Uns diriam que seria a “argentinização” do Brasil, o que, embora possível, é altamente improvável. Apesar da nossa vocação para o erro, o sistema institucional brasileiro é muito melhor que o do nosso vizinho. Se o cenário portenho é improvável, o que devemos considerar?
Provavelmente, teremos um cenário de impasses e de pequenos avanços. Viveremos uma espécie de guerra de trincheira na qual nem o governo avança em sua agenda revisionista nem o Congresso avança na agenda reformista. O marco fiscal, dada a relevância para a estabilidade do país, deve ser aprovado, mas terá aspectos que certamente desagradarão ao governo e, em especial, a seus setores mais ideológicos. O belo do incerto nesse caso é que, ao contrário de Napoleão, que estava fadado ao fracasso, Lula ainda pode reinventar seu governo e ganhar o seu Waterloo. Enquanto isso, corram para as colinas para defender as reformas.
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841