Nuvens de desconfiança fiscal rondam o novo governo. O debate sobre a PEC da Transição é a ponta do iceberg em um ano de incertezas macroeconômicas importantes. Qual o tamanho do rombo fiscal que a PEC irá promover? Para equilibrar o jogo, as opções que se apresentam são claras: previsibilidade, responsabilidade fiscal, cortes de despesas e de subsídios. Tudo o que muitos no metaverso político não gostariam de praticar.
Ao lado das incertezas fiscais, remanescem incertezas sobre a equipe econômica. Quem será o ministro da Fazenda? Haverá um ministro do Planejamento? Qual seria o seu papel? Qual será a lógica predominante? A incerteza gera mais incerteza que se retroalimenta em um círculo de dúvidas.
O novo governo parece dividido, grosso modo, entre os que sabem aonde querem chegar, mas não sabem como, e os outros, que não sabem exatamente o que querem. Existe ainda uma imensa equipe de transição, que tende a produzir mais luz do que calor. Lembra as assembleias estudantis que emulam as Nações Unidas. Enfim, estamos numa pararrealidade que ainda não se definiu em suas ambiguidades.
“A vida política deu a Lula uma chance rara, mas o futuro presidente não deve dar chance ao azar”
Mas o mundo é cruel e não admite erros românticos. A Argentina é um exemplo de como o ruim pode ficar pior. São quase setenta anos de autodestruição de valor, de forma sistemática e consistente. A Venezuela está em uma espiral de decadência há décadas e sem evidências de que irá se recuperar. O Brasil é institucionalmente melhor do que seus vizinhos, mas não deve dar chance ao perigo. Nossas potencialidades devem ser preservadas e valorizadas. Em especial, a vocação empreendedora do brasileiro.
A vida política deu a Lula uma chance rara. Uma canetada monocrática e um presidente inconsistente, para dizer pouco, abriram o seu caminho para uma nova Presidência. O raio da fortuna caiu no mesmo lugar, pulverizando o saldo negativo do governo Dilma Rousseff e as peraltices da Lava-Jato. Mas, assim como o Brasil, o futuro presidente não deve dar chance ao azar. E o caminho é aprender com a história.
Para se sair bem na rara chance que recebeu, Lula tem a seu favor um cardápio de erros praticados no passado por ele e seus aliados que deveriam produzir efeito pedagógico. Por exemplo: não praticar capitalismo de laços; não fazer mensalão; não querer criar uma matriz econômica; não usar politicamente as estatais; não aparelhar o Estado; entre outros. O presidente eleito também tem uma lista de êxitos. Foi fiscalmente duro no início do seu primeiro governo; ouviu a sociedade civil no pouco valorizado “Conselhão”; melhorou a distribuição de renda; construiu reservas internacionais sólidas; valorizou a institucionalidade e teve uma postura agregadora como presidente.
Nas paredes da bicentenária Universidade Brown está inscrita uma frase essencial: “Fale com o passado e ele te ensinará”. Lula deve conversar com o passado e aprender com os seus primeiros erros, como diria Kiko Zambianchi. Assim como com os seus êxitos, que não foram poucos. Afinal de contas, nem sempre a história acontece como tragédia e se repete como farsa. Mas o passado ensina, e suas lições ficam e servem para iluminar o futuro.
Publicado em VEJA de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819