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A privatização do conflito

O inédito engajamento das empresas contra a Rússia

Por Murillo de Aragão Atualizado em 4 jun 2024, 12h27 - Publicado em 12 mar 2022, 08h00

Ao invadir a Ucrânia, Vladimir Putin provocou a privatização da guerra. Tal fenômeno é novo na escala em que ocorre. Com a agressão à Ucrânia, o presidente da Rússia mobilizou contra si, e contra a Rússia, as forças privadas do mundo. Nem na II Guerra se viu algo parecido, fosse por causa das limitações da globalização na época, fosse pela incapacidade de o setor privado se mobilizar.

A reação do setor privado vai além das sanções tradicionais, ao jogar o tema da guerra para uma esfera que, até então, era específica das nações. Há de considerar que o tamanho da reação no mundo privado e na sociedade civil a essa guerra revela a dimensão da traição cultural e de princípios que a Rússia de Putin está praticando perante o mundo.

E a dimensão do engajamento do mundo privado contra a Rússia é único e inédito. Ao invadir o país vizinho, Putin declarou guerra contra Google, Starbucks, Heineken, Amazon, Apple, Facebook, entidades esportivas, Mastercard, Visa e todo o sistema financeiro ocidental, entre outras grandes empresas. E, por tabela, contra os consumidores desses produtos.

Além do setor financeiro e das plataformas sociais, uma coalizão do mundo privado e da sociedade civil está promovendo o cancelamento da Rússia de Putin. A consequência é o recrudescimento de um preconceito que já existia contra a cultura e as expressões daquele país.

A guerra em curso, além do conflito bélico, cria uma batalha de narrativas, e as narrativas precisam de plateia para circular. No entanto, a maior parte da audiência no mundo não acredita na narrativa russa. Provavelmente, nem mesmo a maioria dos russos.

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Por isso haverá, de forma crescente, uma repulsa internacional a tudo que se relacionar ao país. E, em consequência, uma crescente desconfiança interna em relação às autoridades locais.

A Guerra do Vietnã foi vencida na opinião pública, que desarmou o ímpeto bélico dos Estados Unidos no conflito. Ainda que a Rússia seja uma sociedade muito mais fechada, as ferramentas da globalização conseguem vencer barreiras e levar informações e questionamentos aos quatro cantos do globo.

Outro fator é que países que tinham diferenças conceituais se uniram e mostraram não apenas rejeição ao conflito, mas apoio à Ucrânia. De maneira absolutamente indesejável, a Rússia uniu, ao menos temporariamente, o mundo. Essa guerra é uma espécie de Guerra dos Mundos, na qual duas culturas entraram em conflito em múltiplas plataformas. Revela uma desconexão por parte das autoridades russas no mundo de hoje.

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A guerra está jogando a Rússia para uma liga alternativa e obscura do planeta. Na prática, como disse em texto anterior, Putin pode conquistar territórios e até impedir a Ucrânia de aderir à Otan, mas a derrota russa parece inevitável. Ainda que a guerra termine amanhã, o dano à imagem do país levará anos para ser reparado.

Enfim, o conflito é quase um revival do que ocorreu na II Guerra, só que turbinado pela participação das empresas privadas e pela midiatização, provocada pela mídia e pelas redes sociais. Sendo uma questão cultural, a disputa irá além do conflito, agora localizado na Ucrânia.

Publicado em VEJA de 16 de março de 2022, edição nº 2780

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