Algum tempo atrás, muitos consideravam que a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais deste ano era um fato consumado. No entanto, e de forma surpreendente para muitas pessoas, a história está se desenrolando de forma diferente. Nem o ex-presidente já ganhou nem o presidente Jair Bolsonaro (PL) está descartado. E, no limite, a terceira via ainda pode se apresentar, mesmo com chances remotas.
Fato é que a pandemia, os seus efeitos e as narrativas do governo para enfrentá-los deram a muita gente a certeza de que Bolsonaro ficaria irremediavelmente afetado e não chegaria competitivo ao pleito. A sequência de confusões e o permanente conflito com a grande mídia promoviam a percepção de que “não é possível que ele possa se reeleger”.
A pouco mais de seis meses das eleições, obviamente muita água ainda vai passar por baixo da ponte e fatos surpreendentes podem ocorrer. Os acontecimentos, porém, têm se mostrado de forma diversa do esperado por muitos. Por quê? Vários fatores justificam esse cenário. O primeiro é que Bolsonaro revelou extraordinária resiliência para enfrentar os equívocos do seu governo na pandemia, a batalha contra a imprensa e o ambiente econômico desfavorável. Mesmo com elevado nível de desaprovação, conseguiu manter uma base de apoio importante.
“O presidente revelou extraordinária resiliência para enfrentar os equívocos de seu governo”
O segundo fator reside no resultado de algumas de suas políticas públicas que beneficiam um eleitorado que segue os movimentos clientelísticos da política nacional. O auxílio emergencial, as antecipações de benefícios e o recente vale-gás já afetam de forma favorável o desempenho do presidente. O terceiro fator é que a campanha de Lula tropeçou na largada em meio a polêmicas que assustam setores do eleitorado centrista. Existe ainda um debate entre pragmáticos e dogmáticos que paralisa a sua campanha. O embate termina colocando Lula — conforme eu já disse e, também, a jornalista Thaís Oyama — na posição de tentar levar o centro para a esquerda, e não a esquerda para o centro. Um erro grave.
Qual a consequência disso tudo? O tracking da AtlasIntel e da Arko Advice aponta um estreitamento significativo da vantagem de Lula sobre Bolsonaro. Na semana passada, a diferença entre ambos era de 6 pontos porcentuais. Acredita-se que uma parte dos votos que teria ido para o ex-ministro Sergio Moro (União) migrou para Bolsonaro. Mas somente isso não explica a situação. Vale destacar que Lula perdeu pouco, mas Bolsonaro subiu muito. Porém iniciar uma campanha com um teto alto não significa que a preferência dos eleitores resistirá aos embates da jornada. Uma viagem pelo “Brasil Grande” mostra que Bolsonaro é mais forte do que os setores das elites dos formadores de opinião gostariam que fosse.
As próximas semanas serão de emoções. A terceira via tentará se unir em torno de uma candidatura única. Uma tarefa um tanto inglória, mas que pode funcionar, já que em política tudo é possível. A campanha do ex-presidente Lula vai entrar em fase de reflexões e transformações. Já Bolsonaro vai buscar consolidar sua tendência de alta e mostrar que não depende apenas dos votos que seriam de Sergio Moro. Para isso, contará com a melhora da economia e com os efeitos eleitorais de suas políticas assistenciais. E, eventualmente, ser menos conflituoso.
Publicado em VEJA de 27 de abril de 2022, edição nº 2786