Suécia e Finlândia na Otan: maior e mais humilhante derrota de Putin
Em vez de gênio das jogadas estratégicas, o presidente russo está parecendo um perdedor que faz gols contra si mesmo
O senhor de rosto inchado e gestos um pouco lentos, provavelmente engessados pelo sobretudo à prova de balas, parecia uma sombra do Vladimir Putin capaz de jogar “xadrez 3D” no tabuleiro geoestratégico mundial.
O tabuleiro não está nada bom para ele – e tudo por causa de suas próprias jogadas. Com a situação empatada na Ucrânia, Putin está perdendo, no mínimo, dois bispos com a próxima entrada da Suécia e da Finlândia na Otan.
A Rússia do Putin pré-24 de fevereiro, o dia da invasão da Ucrânia, tinha 6% de suas gigantescas fronteiras com países participantes da aliança criada pelos Estados Unidos, na linha da Estônia e da Letônia, dois pequenos países bálticos. A Finlândia acrescenta 1 300 quilômetros a essa conta.
O que pode fazer Putin? Espernear, ameaçar, desfechar ataques cibernéticos e prometer retaliações. Também pode colocar armamentos, inclusive mísseis de longo alcance, na fronteira e fazer muita cara feia.
Nada vai eliminar o fato de que os dois países, optantes pela neutralidade por motivos históricos parecidos durante todo o pós-guerra e marcação cerrada especialmente sobre a Finlândia – a ponto de dar origem ao termo “finlandização”, como sinônimo de país enquadrado ao ponto da anemia – estão entrando oficialmente para uma aliança militar que Putin tenta transformar em inimiga mortal da Rússia.
O erro de cálculo é chocante para um líder do calibre de Putin, que já foi considerado um “gênio estratégico” e tirou a Rússia do fundo do buraco em que os desmoronamento da União Soviética a havia colocado.
É como se todo o esforço que fez, com sucessos incontestáveis, inclusive quando tomou a Crimeia e duas regiões fronteiriças da Ucrânia, estivesse andando para trás.
Na prática, Suécia e Finlândia, duas democracias avançadas com valores ocidentais, já estavam integradas à aliança atlântica – daí as constantes invasões de seus espaços aéreos por caças russos. Mas a formalização do processo é uma humilhação para Putin num momento altamente sensível: depois de recuar das imediações de Kiev, forças russas parecem em retirada também de Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia.
Com um detalhe importante: Kharkiv, que já foi capital da Ucrânia, é uma cidade “russa”. Todo mundo fala o idioma como língua materna e Putin já tinha até falado em plebiscito para selar a sua incorporação ao que chama de “mundo russo”, como aconteceu na Crimeia.
Não só a vitória sobre a cidade não foi consolidada, como os ucranianos conseguiram virar o jogo.
Segundo Oleksi Arestovich, veterano da inteligência militar que faz parte do círculo mais próximo do presidente Volodimir Zelenski, o general responsável pelo recuo em Karkaiv, Sergei Kisel, foi preso depois do fiasco.
Ele também disse que Valeri Gerasimov, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, está suspenso, o que seria uma punição no mais alto nível da hierarquia russa. Gerasimov estava conspicuamente ausente do desfile de segunda-feira.
A longo prazo, a vantagem é dos russos: guinadas como a de Kharkiv são, tecnicamente, manobras defensivas. Os ucranianos não têm condições materiais de desfechar contra-ofensivas em larga escala. Mas sabotar a vitória que Putin dava como garantida é um feito extraordinário. Não existe parada militar como a da segunda-feira que dê jeito – nem um “general da banda” como o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, que tem patente meramente honorária, que faça milagre.
O efeito das sanções também começa a transparecer até em meios oficiais como as televisões estatais. Vladimir Soloviov, o mais putinista dos apresentadores, comentou em seu programa os problemas de abastecimento atualmente enfrentados pela população. Seu convidado, o deputado ultranacionalista Semion Bagdasarov foi além e levantou a possibilidade de uma “repetição de outubro de 1917”.
Não é qualquer um que fala em revolução na televisão russa, nem que seja um maluco do calibre de Bagdasarov. Segundo o deputado, a solução seria “alguém como Lavrenti Beria”.
Isso mesmo: ele defendeu o chefe da polícia secreta stalinista, um dos maiores monstros da história da humanidade, que condenou milhões aos campos de trabalho e à morte, dos quais a maioria fieis comunistas. Sem falar nos crimes “pessoais” como os estupros de mulheres que escolhia aleatoriamente nas ruas de Moscou e levava para casa – depois da desestalinização, no jardim foram encontrados vários corpos de mulheres, muitas delas nuas.
Que Beria (executado na véspera do Natal de 1953 com um tiro na testa por um general, com um pedaço de pano na boca para parar de implorar pela própria vida, como tantos haviam feito diante dele) tenha se transformado em “solução”, é mais um sinal de que Vladimir Putin está perdendo em várias frentes.
Num ato – ilegal – de vingança, a Rússia disse que vai cortar o fornecimento de gás à Finlândia a partir de hoje. “A Rússia será forçada a tomar medidas tecno-militares e outras para neutralizar as ameaças à sua segurança nacional”, trovejou Moscou. Nem assim pode eliminar uma percepção resumida pela linguagem popular: perdeu, Putin, perdeu.