Rússia em transe: general no golpe e Prigozhin ia prender alta cúpula
A situação está longe de resolvida e informações provenientes da inteligência americana mostram que alcance da rebelião seria enorme
Vladimir Putin está sendo ridicularizado — e não é pelos inimigos. Blogueiros militares, uma categoria que domina o Telegram com posições ultranacionalistas, estão fazendo manifestações de apoio a Ievgueni Prigozhin e falando mal do líder máximo.
“Notícias de uma realidade paralela”, comentou um deles, a respeito dos discursos de Putin, que não conseguem conciliar duas ideias contraditórias, defendidas por ele mesmo: castigo exemplar para os que sublevaram no fim de semana e anistia ao próprio chefe da rebelião, mandado para a Belarus, e a todos os combatentes do Grupo Wagner que entrarem para o exército regular ou “forem para casa”.
Mais complicado ainda: segundo as “fontes” do New York Times — traduzindo, CIA —, o general Serguei Surovikin sabia que Prigozhin ia se sublevar.
O Wall Street Journal colocou mais pimenta no borcht: Prigozhin pretendia capturar o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, e o chefe do estado-maior, general Valeri Gerasimov, os inimigos que ele havia escolhido para desancar durante meses a fio, desafiando toda a lógica da estrutura absolutista e altamente controlada montada por Putin.
Só não aconteceu por uma questão de tempo, segundo a reportagem. O serviço de inteligência ficou sabendo dos planos e Prigozhin teve que adiantar em dois dias a sublevação, o que provocou uma explosão inicial impressionante, com a tomada da cidade de Rostov e o avanço da tropa rebelada até chegar a 200 quilômetros de Moscou. Aí, o criador do Grupo Wagner, que não pode mais ser chamado de exército particular depois que o próprio Putin mencionou uma subvenção de 86 bilhões de rublos — um bilhão de dólares — só no ano passado, vacilou.
A informação de que ele tinha o apoio ou a anuência de um dos principais generais russos é de fazer tremer o chão sob os pés de Putin. Surovikin era um dos preferidos do grande líder depois de ter mostrado serviço na Síria, obrigando os generais sob seu comando a ir para a linha de frente e suar a camisa. Pelo estrago que causou, foi apelidado de General Armagedom e com essa fama ganhou o comando da “operação militar especial” na Ucrânia.
Lá, comportou-se mais como um General Traque. Convenceu Putin a apoiar a retirada das forças russas de Kherson, uma das principais viradas de jogo da Ucrânia, e acabou rebaixado a vice-comandante, com Gerasimov colocado em seu lugar.
Apesar do papelão, era continuamente elogiado por Prigozhin, que defendia sua volta ao posto máximo e criticava Shoigu e Gerasimov como inúteis, incompetentes, acordados, preguiçosos e, no caso do general (Shoigu é civil, que usa farda por causa do cargo), consumidor de um copo de vodka para começar o dia.
“Os coronéis me contam tudo”, vangloriava-se. Falar mal do alto comando é praticamente obrigatório em qualquer exército, mas a sequência de falhas reveladas na invasão ucraniana é de fato espantosa. Treinamento, equipamento, logística, tática, estratégia e doutrina, tudo se combinou para sabotar os planos de tomar a Ucrânia em uma semana. Os 20% de território sob ocupação russa não compensam esse fiasco.
Ao criticar a cúpula da guerra, poupando seu criador, Putin, Prigozhin ganhou popularidade entre a tropa. Não só a sua própria, do Grupo Wagner, mas do exército regular. Quando entrou em Rostov, sede do comando russo da região sul, não encontrou oposição nenhuma. Circulou até um vídeo em que fala amistosamente com o comandante local.
Segundo um canal do Telegram, Surovikin foi preso na terça-feira e está em Lefortovo, a notória prisão administrada pela justiça militar.
Seria um desdobramento que muda totalmente a visão que tínhamos até agora da rebelião comandada por Prigozhin, com seu histórico fundamentalmente antagônico a uma biografia militar: condenado por assalto e dono de barraquinha de cachorro quente que ascendeu como um protegido de Putin para ser usado num exército paralelo criado para fazer o serviço sujo que interessava ao poder dominante, mas nunca aceitável aos olhos das forças regulares.
Isso nos leva de volta à questão inicial: como Putin pode prometer justiça ao sublevado e ao mesmo tempo permitir que vá morar em Minsk, não exatamente um lugar divertido, mas melhor do que o destino que o presidente da Belarus, Alexander Lukashenko, intermediário na negociação, disse que Putin pretendia dar a ele — simplesmente “apagá-lo”, segundo disse, usando linguagem da bandidagem.
E onde está a tropa de Prigozhin, entre 10 mil e 25 mil homens, ex-militares ou ex-detentos com experiência nos mais mortíferos frontes de combate na Ucrânia? A quem prestam lealdade? Podem simplesmente se incorporar ao exército como se nada tivesse acontecido? Como é possível que Putin tenha agradecido — isso mesmo, agradecido — a eles?
“Não foi dita nem uma palavra sobre as condições que levaram ao levante, os problemas sistêmicos que não só fizeram o Grupo Wagner surgir como se tornar popular para muita gente”, disse um canal do Telegram.
Outros blogueiros militares acham que um grande expurgo vai ser desencadeado em breve para punir todos os que tenham colaborado — ou pareçam ter colaborado — com o golpe fracassado.
“Estamos todos esperando”, escreveu um deles, Semyon Pegov.
O New York Times praticamente escreveu a mesma coisa: “O sr. Putin agora tem que decidir, disseram os funcionários (usados como fontes), se acredita que o general Surovikin ajudou o sr. Prigozhin e como responder a isso”.
Outra informação de arrepiar: o jatinho de Prigozhin, um Embraer Legacy 600, teria sido rastreado deixando Minsk em direção a Moscou.
Onde está Prigozhin e onde estão os wagneristas são perguntas ainda inacreditavelmente difíceis de responder.