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Retrato do Chile: e tem gente que deseja isso para o Brasil

Governo cedeu tudo, mas anarquia e perda do controle social viram a triste realidade do país apontado por famoso ex-presidiário como o exemplo a ser seguido

Por Vilma Gryzinski 27 nov 2019, 17h18

Esquerda altamente radicalizada, bandidagem comum, narcotraficantes e aproveitadores eventuais, seja qual for a ordem, transformaram o Chile em terra arrasada.

Vejamos o que declarou o um dos donos de um hotel atacado, saqueado e, horas depois, incendiado, em La Serena, uma cidade turística conhecida pelas praias muito longas no norte do país:

“O hotel foi feito em pedaços, foi destroçado, nem numa guerra acontece isso. Levaram todos os televisores, os frigobar”, lamentou Iskandar Buale diante do que sobrou do Costa Real, considerado um hotel de luxo, onde os bombeiros conseguiram salvar sete pessoas presas no fogo, mas a destruição foi total.

“Em que mundo estamos? Onde estão as Forças Armadas? Por que as Forças Armadas não se mexem ou vai haver uma guerra civil? Isso é o que querem, que tenha uma guerra civil.”

O hotel foi atacado por cerca de 50 encapuçados durante a tarde, que roubaram hóspedes, funcionários e a propriedade em si, e incendiando horas depois, durante a noite.

Em outra cidade do norte, Curiçó, conhecida pelos vinhedos, uma igreja considerada monumento histórico foi inteiramente destruída pelo fogo.

Já são mais de 20 igrejas incendiadas desde a explosão dos primeiros protestos, em 18 de outubro.

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Quem toca fogo em igrejas? Aposentados aborrecidos com seus proventos? Estudantes bravos com o aumento do metrô?

Obviamente, não. Inclusive porque o governo de centro-direita de Sebastián Piñera já entregou tudo o que pode.

Pediu perdão ao país, aumentou o salário mínimo, as aposentadorias mais baixas e o imposto de renda para altos salários, acima do equivalente a 11 mil dólares por mês.

Aprovou a jato uma reforma constitucional , pôs o Exército na rua e, para julgar a ação de militares e policiais, chamou todas as instituições mais conhecidas de fiscalização de direitos humanos, inclusive a encabeçada na ONU por sua antecessora e rival, Michelle Bachelet.

E a desgraça continua. Agora, o dólar, nada surpreendentemente, está disparando.

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Até na Bolívia, com uma situação potencialmente muito pior, inclusive pelo elemento “índios” contra “brancos”, as coisas parecem ter se acalmado.

O Movimento Para o Socialismo, o MAS, o partido do foragido Evo Morales, participou de um acordo sobre a convocação de novas eleições presidenciais.

Evo está fora. As barricadas que ele comandava do exílio no México foram em grande parte retiradas.

A Colômbia, a última da lista publicamente declarada por Diosdado Cabello e Nicolás Maduro, explodiu em protestos, também com alto nível de violência. Acalmou.

Não se fala mais em Peru e Equador, os precursores da “brisinha” boliviariana que Cabello comemorou.

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É claro que tudo pode voltar a pegar fogo – e o Brasil evidentemente, com um presidente que é o mais completo antagonista da esquerda bolivariana, não ficará fora da lista.

Mas o que mais impressiona é a permanência do quebra-quebra constante, incontrolável, selvagem, comemorado como modelo a ser seguido pelo ex-presidente barra ex-presidiário que se considera porta-voz do “povo”.

Piñera tirou os militares das ruas e agora está pedindo autorização para que voltem.

Nem é preciso lembrar que tropas com formação militar não são feitas para operações policiais – e nem mencionar o passado pesadíssimo da ditadura, desencadeada exatamente por uma radicalização de esquerda ainda sem paralelos com a situação atual.

Mas talvez, a essa altura, nem o Exército consiga tirar o país da anarquia sem o recurso a um uso da força em larga escala, impensável.

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Ou será que não é tão impensável assim?

CAMINHO SEM VOLTA

A violência desmesurada onde a esquerda que foi para a radicalização, como prega o ex-apenado de Curitiba, se mistura com a marginalidade comum – um traço constante na atual ventania latino-americana, tal como prometida pelo regime venezuelano – está despertando reações proporcionais na direita dura e pura.

E poucas direitas são tão duras e puras quanto a chilena.

O Chile “é um estado falido em matéria de ordem pública” e vive hoje uma situação revolucionária, escreveu Axel Kaiser, da Fundação Para o Progresso, num artigo cheio de paralelismos entre o momento chileno e a Revolução Francesa. Guardadas, evidentemente, as proporções históricas.

Quando a Revolução Francesa volta a ser assunto, a coisa está feia, muito feia.

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É claro que Sebastián Piñera, tratado como besta fera de direita pela esquerda de baixa informação, é objeto de desprezo e raiva entre direitistas de raiz.

“Desde o início, tivemos um presidente extraviado, quem, à la Luís XVI, celebrava um aniversário em um restaurante enquanto Santiago ardia”, escreveu Kaiser no Ojo Digital.

“E até hoje, depois de ter entregado tudo, parece não entender que o que enfrentou não foi uma simples revolta, mas uma tentativa de derrubá-lo – feita pela versão crioula dos jacobinos.”

“Tal como os girondinos – isto é, a direita chilena – aderiram, embora pela metade, à causa refundacional, sem compreender que a porta que abriu com a nova Constituição não tem volta, nem que eles mesmos, provavelmente, terminarão devorados pela desordem de um monstro que não poderão controlar.”

No mesmo site, outro direitista puro sangue, Carlos Andrés Gómez Rodas, esmiúça em detalhes como deveria ser um golpe de estado preventivo na Colômbia.

O colombiano avisa que tem que ser logo, antes que o presidente Ivan Duque – considerado um fraco e comparado a Kerensky, em outro arroubo histórico – seja ele próprio derrubado.

Primeiro passo: “Formar uma junta militar, constituída por cinco coronéis das forças militares – dois do Exército nacional e um, respectivamente, da Marinha, da Força Aérea Colombiana e da Polícia Nacional, assessorados por membros da reter a ativa e pelo Exército dos Estados Unidos da América.”

É conversa de maluco, de quem fala em AI-5 sem ter um único canhão, como disse Stálin sobre o papa?

Com muita probabilidade, sim.

Mas quem acha que generais de países latino-americanos estão tranqüilamente nos quartéis, preocupados apenas em não ser chamados para intervir sem garantias de que não serão submetidos à Justiça por uso excessivo da força, não precisa ir tão longe quanto a Revolução Francesa ou as revoluções russas para encontrar paralelismos.

O mundo mudou, a época dos golpes militares passou, o isolamento e as penalidades internacionais seriam devastadores, a democracia virou um valor inegociável.

Até a hora em que os mascarados entram, roubam, tacam fogo e vão embora sem punição.

Todos os dias. Todos os dias. Todos os dias.

Vale a pena ler de novo as palavras do sócio do hotel incendiado em La Serena para lembrar o perigo que estamos passando.

E a necessidade de uma combinação de autoridade exercida com responsabilidade e uso proporcional da força, em defesa justamente da democracia e da ordem social, valores cuja importância só entendemos de fato quando os perdemos.

Se existe receita para isso, o Chile não está encontrando.

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