De tanto olharmos para a China, estamos deixando passar o extraordinário avanço da economia indiana, paralelo ao aumento populacional que colocou o país no lugar número 1 do mundo. Como alimentar, abrigar, aquecer, empregar, sanear e fazer avançar uma população de 1,4 bilhão de pessoas? Em primeiro lugar, não tendo medo de pensar grande. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, é visto com narizes torcidos pelas elites globais por ser “nacionalista” e de “direita” — este um rótulo sujeito a contestações para um estatista exacerbado —, mas não pode ser acusado de pensar pequeno. Ele tem um plano de avanço econômico do país, que deve se tornar a terceira economia mundial com PIB acima de 10 trilhões de dólares antes do prazo inicialmente projetado, de 2035. Seu principal programa copia, sem nenhum pudor, o projeto que transformou a China na maior potência manufatureira do mundo. O “Faça na Índia” incentiva investimentos estrangeiros, não os espanta ou demoniza, e ainda se aproveita da necessidade de diversificação pós-pandemia, quando a sinodependência revelou seu lado assustador. Modi tampouco compra brigas boçais. Um exemplo: ele não se afastou da Rússia agressora, mas tampouco se meteu a falso pacificador. Não diz o que a Ucrânia tem de ceder para superar uma guerra de agressão e outras bobagens que presidentes latino-americanos vivem repetindo (o último foi Gustavo Petro; agora, sem os disfarces iniciais, completamente dedicado a implodir a Colômbia). A relação entre a Índia e a Rússia é transacional: a Rússia tem petróleo para vender mais barato, por causa do boicote europeu; a Índia quer comprar para manter ou aumentar o crescimento anual de 6% do PIB. Não é bonito, mas é pragmático.
“O número de indianos na lista de bilionários da Forbes chegou este ano a um recorde de 169 nomes”
Modi também não ergue obstáculos para um dos maiores problemas indianos, a falta de saneamento. Muita gente deu risada quando ele criou o programa de banheiros para todos. Pois já foram construídos mais de 110 milhões de banheiros — os números indianos são sempre astronômicos. A cultura indiana de incentivo aos estudos tem um papel decisivo nos projetos de desenvolvimento, de forma similar à de outros países asiáticos, embora tudo na Índia seja único e formidavelmente caótico. O sucesso da diáspora indiana atesta a relevância da meritocracia. Têm origem indiana a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris; o primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, o da República da Irlanda, Leo Varadkar, e o de Portugal, António Costa. O número de indianos na lista de bilionários da Forbes chegou este ano a um recorde de 169 nomes. A aprovação a Modi e a não realização de prognósticos sombrios, como uma perseguição em massa a minorias religiosas — ele é de um partido hinduísta —, refletem o avanço econômico, com avassaladores 78%. Cada país tem seu caminho de desenvolvimento — mas os desastres são parecidos. Como não notar a calamidade venezuelana ou a derrocada argentina? Como não se impressionar com o que Modi faz de bom (e fugir do que faz de ruim)? E como não compará-lo a um governo que, em semanas, brigou com os EUA, a União Europeia, a Ucrânia, a Shein, o saneamento básico, o Google, o Facebook e o Telegram?
Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841