Posse de Trump reúne a internacional da direita, teorizada por Milei
Cada um dos convidados apela a um tipo de tema que mobiliza conservadores e encarna versões variadas dessa corrente de pensamento

O que têm em comum Argentina, Itália, El Salvador, Hungria e, como se fosse um estado por direito próprio, Elon Musk? Todos os seus líderes estarão presentes em Washington, na próxima segunda-feira, fruto de uma escolha de Donald Trump para fazer de sua posse uma espécie de manifesto da direita atual – ou das direitas, como poderiam ser qualificadas.
O argentino Javier Milei, o teórico dessa união, encarna uma filosofia que jamais esteve no poder antes: o liberalismo ultralibertário, misturando horror ao estado, como um mal em si mesmo, e as propostas econômicas nunca inteiramente testadas da escola austríaca. Todos já sabem dos altíssimos riscos dessa proposta – e como tem desafiado os prognósticos pessimistas.
Nayib Bukele transformou El Salvador num laboratório de medidas radicais contra a criminalidade. Não está preocupado com o tamanho do estado, contanto que tenha lugar para ele, num projeto que mistura o autoritarismo clássico dos caudilhos latino-americanos com novidades como a política conduzida pelas redes sociais e a construção do perfil de um “ditador cool”, como ele mesmo ironizada.
Pode ser aplaudido ou odiado, mas é impossível não prestar atenção nele, com popularidade acima dos 80%, reflexo do anseio da população por segurança, a base do contrato social, além de lei e ordem, conceitos que pareciam ultrapassados e até rançosos, diante das modernas teorias da criminalidade que culpam a sociedade por tudo e os criminosos por nada.
“EDISON COM DA VINCI”
O húngaro Viktor Orbán e a italiana Giorgia Meloni estão no governo porque fizeram do combate à imigração clandestina sua bandeira principal. Embora o fenômeno seja diferente na Europa e nos Estados Unidos, está no centro do trumpismo. Talvez a força do tema explique um convite que deixou muitos franceses desarvorados: em vez de Marine Le Pen, a maior representante da direita na França, o convidado para a posse foi o bem menos conhecido Eric Zemmour, um jornalista transformado em político e inimigo do que chama de conquista muçulmana da nação francesa.
Milei colocou na “frente ampla” da direita Benjamin Netanyahu, mas o primeiro-ministro israelense não foi convidado para a posse, outra atitude instigante. E vendo tudo de cima, com seu intelecto que mistura “Thomas Edison e Leonardo da Vinci”, Elon Musk, a quem Trump entregou a motosserra simbolicamente inaugurada pelo presidente argentino.
“Elon Musk entende o funcionamento do sistema econômico, A sua ideia é perfeitamente alinhada com a escola austríaca de economia”, disse Milei numa entrevista em dezembro ao jornal italiano Libero. “A primeira vez que o encontrei, disse a mim mesmo que ele se levanta todos os dias pensando em como resolver os problemas da humanidade”.
Com sinal invertido, Musk e Milei, essa dupla tão inesperada, estariam na mesma sintonia que os integrantes da Internacional Comunista, criada por Lênin em 1919, reunindo todos os partidos comunistas do mundo. Todos seus integrantes pensavam continuamente em como resolver os problemas humanos – no caso, através da ditadura do proletariado, o caminho para o paraíso comunista.
A “internacional da direita” não tem essa homogeneidade, mas reflete as diferentes correntes que hoje têm relevância política e eleitoral.
MELHOR DOS MUNDOS
Quem imaginaria que um pouco conhecido economista argentino se tornaria o teórico dessa união de direita? E que os Estados Unidos da América adotassem propostas como a motosserra nos gastos públicos?
“Promoverá um fórum da internacional da direita?”, perguntou o entrevistador italiano do Libero.
“Yeeesss”, respondeu Milei.
A posse de Trump vai dar uma amostra dessa internacional. No melhor dos mundos, ela combinaria a expansão da força econômica incomparável dos Estados Unidos turbinada com as propostas de crescimento de Donald Trump, o controle sobre os excessos do Estado defendido pelo presidente argentino, a segurança que os salvadorenhos agora sentem, o estilo firme mas não agressivo imprimido por Giorgia Meloni no governo italiano.
No pior, a inflação estragaria a festa do trumpismo e seu líder cederia às tentações imperialistas, a experiência argentina daria num Frankenstein explosivo, El Salvador descambaria no autoritarismo ostensivo e, em vez de melhorar as condições de imigração, a direita europeia resvalaria para o neofascismo.
Alguém quer apostar?