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Paquistão continua a ser o lugar mais perigoso do mundo

Com armas nucleares e inimizade eterna com a Índia, o país está celebrando a captura de piloto do vizinho; todos os demais devem se arrepiar

Por Vilma Gryzinski 28 fev 2019, 08h38

“O chá está fantástico.”

É preciso reconhecer que o piloto indiano Abhinandan Varthanan demonstrou ter sangue frio num momento em que o de muita gente estava fervendo.

Com seus vastos bigodes e o rosto deformado de pancadas, ele elogiou, além do chá, os oficiais paquistaneses que o capturaram e se “comportaram como cavalheiros”.

É claro que o piloto não estava sendo completamente espontâneo, considerando-se que era uma espécie de prisioneiro de guerra do Paquistão, salvo de um linchamento por seus captores, depois de saltar de paraquedas do MiG21 derrubado durante um ataque de retaliação.

Derrubar dois caças inimigos (o outro caiu em território indiano) e ainda capturar o piloto de um deles foram atos comemorados em todo o Paquistão. Todo o resto do planeta que conhece os riscos envolvidos sentiu o gosto do perigo.

Num momento em que o norte-coreano Kim Jong-Un está voltando à condição de adolescente rebelde, é importante lembrar que o Paquistão continua na disputa pelo título de lugar mais perigoso do mundo..

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Mesmo sem um acordo com os Estados Unidos, Kim Jong-Un já demonstrou que é um “ator racional”, ou seja, é sensível a questões que envolvam a própria sobrevivência.

Como “prova”, dizem que ele mandou fuzilar 70 militares que se opunham a qualquer negociação com os Estados Unidos.

Ter o comando dos militares é uma condição indispensável para que o líder político de qualquer um dos nove países nuclearizados do mundo passe no teste da estabilidade. O Paquistão não passa.

Um resumo rápido. O homem que iniciou o programa nuclear paquistanês, Zulfikar Ali Bhutto, acabou derrubado e enforcado (e a filha dele, Benazir, foi assassinada num atentado jihadista). O cientista genial que o conduziu, Abdul Qadeer Khan, roubou segredos nucleares da Holanda. A China ajudou.

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O Paquistão saiu lucrando tanto da invasão soviética do Afeganistão quanto da americana. Cobra caro para que seu território seja usado como base, mas os militares e os diversos serviços de inteligência têm simpatia em graus variados pelo fundamentalismo ao estilo talibã.

Enquanto se passavam por aliados dos Estados Unidos, recebendo cerca de 20 bilhões de dólares desde o Onze de Setembro, esconderam Osama Bin Laden durante anos.

Os madraçais divulgam sem parar aos estudantes do Corão as mensagens mais radicais. O atual primeiro-ministro, o ex-campeão de críquete Imran Khan, só foi eleito depois de se aproximar do islamismo radical.

No críquete ou no arsenal nuclear, a Índia é a obsessão nacional. Os dois países nasceram do parto mais doloroso do mundo, a Partilha de 1947, quando o império britânico acabou e o Paquistão se descolou da Índia para criar uma “nação dos puros” – e dos muçulmanos.

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Os massacres mútuos deixaram mais de um milhão de mortos, um recorde em matéria de velocidade. O ódio se acirrou quando a Índia incentivou a independência de Bangladesh, que era um território territorialmente isolado do Paquistão e nasceu em outro banho de sangue, fome e miséria.

“Se a Índia tiver bombas atômicas, comeremos grama ou passaremos fome, mas vamos ter também”, prometeu Ali Bhutto. E cumpriu. O Paquistão é um país miserável, com um a população equivalente à do Brasil e PIB per capita dez vezes menor, mas construiu um arsenal hoje estimado entre 120 e 150 artefatos nucleares – um pouco mais que a Índia.

O foco do confronto entre os dois países é, ironicamente, um lugar de beleza paradisíaca, a Caxemira, um vale ao pé dos Himalaias, inspiração de James Hilton quando criou a utópica Shangrilá, em Horizonte Perdido.

As pashminas e as roupas de cashmere, tecidas com a lã finíssima de uma cabra da região (antes que surgissem as falsificacões chinesas), espalharam pelo mundo o nome do vale onde um marajá de tempos passado se converteu a uma corrente mística do Islã, levando junto a maioria da população.

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O Paquistão tomou um pedaço do território, o antigo principado de Jamur e Caxemira, e a China outro, com explosões bélicas sucessivas.

Mas o instrumento mais perverso vem das organizações terroristas paquistaneses que se infiltram em território indiano para atentados espetaculares. O mais recente foi um carro-bomba jogado por um terrorista suicida contra um ônibus de transporte de policiais militares na Caxemira indiana. Morreram 44.

Os bombardeios de regiões do lado paquistanês foram em represália ao ataque e em resposta à opinião pública indiana que exigia vingança. Foi derrubado um caça paquistanês, mas os dois aviões indianos perdidos e o piloto capturado causaram exultação muito maior no Paquistão.

“Faço uma pergunta à Índia: com as armas que nós temos, podemos nos dar ao luxo de algum erro involuntário?”, perguntou, muito racionalmente, Imran Khan, que estudou em Harvard, morou na Inglaterra e foi casado com uma socialite inglesa.

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O problema é se Imran Khan tem de fato autoridade para decidir, com os generais que mandam nas bombas e um público embriagado com a perda infligida aos inimigos indianos.

Narenda Modi, o primeiro-ministro indiano, também sofre pressões intensas, acirradas pelo fato de que ele é líder de um partido nacionalista hinduísta – e tem eleição logo, logo. Até agora, ele rejeitou as aberturas de Imran Khan.

Um enviado da Arábia Saudita foi ao Paquistão para tentar distensionar o clima. Os sauditas também despejam muito dinheiro no Paquistão e têm um acordo tácito: em caso de um ataque iraniano, podem contar com o guarda-chuva nuclear de seus protegidos.

Alá nos proteja a todos das inimagináveis complicações envolvidas. Ainda mais agora que o baby Kim pode se sentir mais livre para voltar ao personagem original.

Aliás, o Paquistão ajudou Coreia do Norte, Líbia e o próprio Irã a desenvolver seus programas nucleares bélicos, único motivo de arrependimento do fantástico doutor A.Q. Khan. Se um dia acontecer uma guerra nuclear, muito provavelmente terá a marca dele.

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